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REVISTA DE 2018

Mudar de vida para receber proteção da justiça

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O número de testemunhas, e seus familiares ou mesmo amigos, abrangidas pelo programa de proteção de testemunhas de crimes já atinge as 87, através de medidas que podem ir desde a segurança policial pontual até à alteração completa de vida e mesmo de fisionomia, com recurso a operações plásticas. 

A proteção pretende garantir a salvaguarda de Cidadãos nacionais ou estrangeiros cujo testemunho é considerado essencial para o desenvolvimento de inquéritoscrime até à fase de julgamento e que podem ser sujeitos a ameaças ou pressões por parte dos alvos das autoridades policiais e judiciais. Vários dos casos em aplicação envolvem grandes traficantes de drogas. 

Os dados foram facultados ao JN pela Comissão de Programas Especiais de Segurança, o organismo dependente diretamente do ministro da Justiça, criado em 2003. A Lei 93/97 de 14 de julho, que seria regulamentada em 2003 por decreto-lei, já determinava as condições em que a proteção de testemunhas é concedida e executada.  Atualmente e até 2017, estavam sob proteção 24 pessoas, das quais 13 testemunhas, entre elas quatro estrangeiras, e 11 familiares. As circunstâncias processuais que envolvem a sua participação estão sob segredo absoluto, para garantir a sua segurança.  

Tráfico de drogas 
Dois destes casos estarão relacionado com investigações sensíveis de tráfico de drogas. Numa delas, o protegido será um indivíduo cujas informações terão ajudado a Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC), da Polícia Judiciária, à detenção do inspetorchefe Ricardo Macedo e do coordenador de investigação criminal Dias Santos, ambos acusados de colaborarem com redes de tráfico internacional.  
A proteção foi decidida depois de uma carga de cocaína ter desaparecido de um contentor que tinha chegado a Portugal e que iria ser encaminhada para a Europa. A cocaína pertencia a uma rede colombiana, que começou a pressionar e a ameaçar o indivíduo em causa, suspeitando de que tinha sido ele a desviar a droga.  
A testemunha estava bem dentro dos meandros do tráfico internacional e, em meados da década, após apresentar denúncia na Polícia Judiciária, acabou por entrar no programa de proteção de testemunhas, uma vez que o seu conhecimento do funcionamento da organização foi considerado essencial para esclarecer as ligações dos dois elementos da PJ, atualmente prestes a ser julgados por corrupção.  
Outro caso estará igualmente relacionado com tráfico de droga internacional. Será o proprietário de um barco de pesca, que terá aceite colaborar com a Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE), para esclarecer esquemas de ligação ao tráfico internacional marítimo, investigação que, no entanto, ainda prossegue, o que obriga a condições de segurança ainda maiores.  

No entanto, como fontes policiais adiantaram ao JN, a proteção à testemunha não encerra com o término do inquérito ou mesmo com o julgamento e atribuição das penas aos arguidos. As medidas de segurança estão sob permanente avaliação. A Comissão de Programas Especiais de Segurança explicou ao IN que "aprecia periodicamente a sua execução[das medidas de segurança de que beneficiam a testemunha e familiares], podendo solicitar confidencialmente a qualquer entidade pública a sua colaboração na definição e implementação das medidas de proteção e apoio". Na verdade, não há um prazo definido para pôr fim às medidas de proteção.  

Medidas pontuais de segurança.
Um das modalidades previstas na lei pode passar pela simples proteção policial, fardada ou à civil, a cargo da PSP ou da GNR. Pode determinada pelas autoridades judiciais, que enquadram a medida num determinado inquérito.  

Medidas especiais de segurança.
As medidas mais radicais de proteção podem passar pela alteração completa da vida da testemunha, através de mudanças que incluem a deslocalização para o estrangeiro. A avaliação e decisão cabem à Comissão de Programas Especiais de Segurança.  

1999 legislação.
A Lei 93/99, de 14 de julho contém a legislação que enquadra a proteção de testemunhas, seguindo a tendência europeia. Mas só foi regulamentada em 2003, criando a Comissão de Programas Especiais de Segurança.  

Segurança Unidade especializada da PSP 
Cabe ao Corpo de Segurança Pessoal da PSP (treino, na foto) a execução das medidas que envolvam a proteção física das testemunhas e familiares, no âmbito das medidas especiais de proteção. À mesma unidade cabe também a vigilância da habitação, do protegido.  

Das FP-25 à rede das messes da FAP 
O caso das FP-25, que atuaram em Portugal entre 1980 e 1987, constituiu um dos primeiros processos em que se tomou óbvia a necessidade de criar uma estrutura e legislação própria para a proteção de testemunhas ameaçadas. As FP-25, consideradas pelas autoridades judiciais e policiais como organização terrorista, foram responsáveis pela morte de 13 pessoas, entre elas elementos de forças de segurança e um diretor dos serviços prisionais. 
Uma das vítimas foi José Barradas, antigo elemento das FP-25 que decidiu colaborar com as autoridades. O testemunho deste "arrependido", entre outros, foi essencial para a condenação da organização em tribunal (embora mais tarde tenham sido amnistiados ou abrangidos por prescrição), mas acabou por ser assassinado a rajadas de metralhadora por membros da organização. 
Vários dos "arrependidos" acabariam por ser alojados em instalações improvisadas na Polícia Judiciária, uma vez que nada havia que permitisse a proteção organizada de testem unhas ou de outros protagonistas dos processos, como magistrados. O juiz de instrução do processo FP-25, Martinho da Cruz, ameaçado pela organização terrorista, acabaria por ter de sair do país e ir para Bruxelas.  
Teve, tal como outros, proteção policial durante anos.  
O caso Casa Pia, desencadeado no início dos anos 2000, teve também um papel importante no desenvolvimento da legislação de proteção de testemunhas - várias foram protegidas neste processo - que, embora existisse desde 1997, só seria regulamentada em 2003.  

Infiltrado protegido 
Mais recentemente, o caso de corrupção nas messes da Força Aérea voltou a trazer à liça a proteção de testemunhas, desta feita pela positiva. Um oficial denunciou os casos de corrupção e aceitou funcionar como agente infiltrado, usando, inclusive, meios de recolha de som. Quando o inquérito terminou o oficial teve de deixar a FAP por razões de segurança, sendo recolocado noutro trabalho, igualmente do Estado, mas sob proteção da Polícia Judiciária Militar e com conhecimento do chefe de Estado-Maior da Força Aérea.  
O seu testemunho em tribunal será essencial, pelo que as medidas de proteção deverão ser mantidas, nomeadamente através da salvaguarda da sua identidade, incluindo durante o julgamento, no qual não deverá prestar declarações de forma direta, mas através de videoconferência, de molde a que o seu rosto não seja publicamente conhecido.  

Judiciária com casas para ex-terroristas arrependidos  
Durante o congresso da ASFIC (Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal), em Braga, realizado no mês passado, o diretor da Polícia Judiciária (PJ), Almeida Rodrigues, revelou que na sede da instituição, em Lisboa, existem dois apartamentos que podem acolher "arrependidos" do Estado Islâmico. As habitações, sob guarda direta da PI, foram concebidas para acolher testemunhas enquanto não fica concluído o processo de avaliação da Comissão de Programas Especiais de Segurança. O regresso de ex-terroristas ao nosso país é uma das realidades que está a ser encarada pela PJ.  

Proteção policial para protagonistas de casos conhecidos  
CASOS Testemunhas que tiveram medidas pontuais de proteção, decididas por procuradores ou juizes, têm sido várias em processos conhecidos. Na década passada, ficou conhecido o caso do delegado de propaganda médica Alfredo Pequito (foto da época), denunciante de corrupção com medicamentos. No pico do caso Apito Dourado também a antiga companheira de Pinto da Costa passou a ser acompanhada pela Polícia.  
Várias testemunhas do caso do perigoso gangue do Vale do Sousa, acusado de extorsão a empresários, também viram a sua identidade protegida no julgamento. Tal como o empresário que denunciou a rede de corrupção na Brigada de Trânsito da GNR de Albufeira, julgada em 2004.  

Carlos Varela |  Jornal de Notícias | 30-04-2018

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