Juízes e procuradores frustrados por ter havido menos consenso no combate à criminalidade económica e financeira. Presidente da República lançou o desafio para um pacto na justiça há um ano.
Da esq. para a dtª: José Carlos Resende (Ordem dos Solicitadores), Maria Manuela Paupério (Ass.Sindical dos Juízes),
António Ventinhas (Sindicato dos Magistrados do MP) e Fernando Jorge (Sindicato dos funcionários Judiciais)
(c) Foto: Rui Minderico/Lusa
Apenas 12 das 29 propostas debatidas no grupo de trabalho da criminalidade económica e financeira foram aprovadas na Cimeira da Justiça, cujos trabalhos terminaram ontem em Troia. A chamada "delação premiada" ficou fora do acordo, mas o alargamento dos prazos dos inquéritos quando estão dependentes de diligências exteriores foi uma das medidas que mereceram consenso. No final da sessão, principalmente juízes e procuradores, que defendiam essas medidas, não escondiam a sua indignação e frustração. Sentados à mesa, durante dois dias, estiveram os representantes dos operadores da justiça - Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Ordem dos Solicitadores, Ordem dos Advogados e Sindicato dos Funcionários Judiciais - que, em resposta a um repto do Presidente da República, tentaram alcançar um "pacto" para melhorar o funcionamento da justiça.
O "pacto possível", como já tinha prognosticado António Ventinhas, presidente do SMMP, abrangeu ainda 80 das 110 medidas que foram a discussão, mas ficaram pelo caminho a maior parte das iniciativas propostas para combater a corrupção. "No que respeita ao combate à criminalidade económico-financeira este pacto é manifestamente insuficiente. Não houve consenso no que diz respeito às medidas mais emblemáticas para o combate mais eficaz a este género de criminalidade", salientou António Ventinhas aos jornalistas, evidenciando o seu descontentamento. Para este magistrado esta "falta de consenso não permitirá resolver os problemas que existem" e por isso "terá de ser mesmo o poder político a decidir. Por aqui não se consegue".
Com idêntico sentimento de insatisfação estava a juíza desembargadora Maria Manuela Paupério, que preside à ASJP, que admitiu ao DN a sua concordância com as palavras de Ventinhas: "É evidente que, apesar de se ter conseguido acordo em muitas outras áreas importantes, nesta do combate à criminalidade económico-financeira o sentimento é de alguma frustração. Havia um entendimento entre juízes e procuradores sobre muitas medidas, sobre as quais não foi possível chegar obter consenso, devido à oposição de outros grupos profissionais." Uma dessas propostas tinha que ver, reconhece, com o chamado "direito premial", uma figura jurídica que já existe para algumas situações no direito penal e administrativo português e admite reduções de pena a arguidos que colaborem com a justiça. Juízes e procuradores queriam alargar essa possibilidade a mais áreas, mas, pelo menos a Ordem dos Advogados, que o assumiu publicamente, opôs-se a qualquer proposta de alteração. Ficou também de fora o enriquecimento ilícito.
Além do grupo de trabalho para a criminalidade económico-financeira, havia outros três para matérias em debate: o da justiça económica, que tratou de questões dos mecanismos de execução, como as cobranças e as penhoras, e no qual, segundo apurou o DN, foi possível alcançar a maior parte dos consensos que permitem "agilizar" estes processos; o do acesso ao direito, no qual foram debatidas, por exemplo, as custas judiciais; e o da organização judiciária, no qual foram acordadas propostas para alguns "acertos", designadamente a criação de "tribunais itinerantes".
Os responsáveis das estruturas representativas não quiseram entrar em detalhes em relação às medidas, justificando essa recusa pelo facto de existir um "compromisso" com Marcelo Rebelo de Sousa - o inspirador deste encontro que, pela primeira vez, juntou todos os diferentes operadores de justiça - em entregar em "primeira mão" o designado "pacto de justiça". "As conclusões dos trabalhos foram entregues a uma equipa de redação que, nos próximos dias, as entregará ao Presidente da República", explicou Manuela Paupério, em conferência de imprensa, sem, no entanto adiantar se o documento finalizado será formalmente entregue ao Chefe do Estado na audição marcada para o próximo dia 12. "Essa reunião é a remarcação de outra que foi cancelada e não envolve todos os participantes aqui presentes. Aguardaremos que o senhor Presidente tenha disponibilidade de agenda para nos receber a todos", acrescentou.
De forma genérica, anunciou que foram aprovadas propostas para "um alargamento muito amplo dos mecanismos de comunicação da justiça" e para "alterações nos mecanismos de cobrança, penhoras e vendas", bem como "nos regimes de custas" e "implementação de mecanismos de agilização da investigação e repressão criminal nos crimes económico-financeiros". Foi ainda decidido criar uma "plataforma permanente" de debate entre os operadores judiciais, "que reunirá periodicamente e apresentará de modo regular propostas de melhoria do sistema".
Projeto do PS "repudiado"
Numa nota final, já depois da conferência de imprensa, foi ainda revelado que todas as organizações participantes tinham "repudiado veementemente" um projeto de lei sobre cobranças extrajudiciais, proposto pelo PS. Trata-se de um diploma que pretende regulamentar atividade das empresas que fazem as chamadas cobranças "difíceis" extrajudicialmente e que são mais conhecidas por "cobradores de fraque". "Nem queremos cobradores de fraque nem sem fraque. Todas estas cobranças têm de ser feitas através dos tribunais", salientou José Carlos Resende, que representa os agentes de execução e solicitadores.
A iniciativa socialista tinha já merecido a condenação do PSD, que acusou o partido de se estar a antecipar às conclusões e propostas do "pacto de justiça" e "ultrapassar" o próprio pedido que Marcelo Rebelo de Sousa tinha feito. Segundo José Carlos Resende, o grupo de trabalho da "justiça económica aprovou algumas medidas sobre este aspeto, tendo rejeitado liminarmente as ideias contidas no projeto do PS". Contactado pelo DN, o deputado do PSD Carlos Abreu Amorim, que tinha sido o porta-voz das acusações", não quis comentar. Já Pedro Delgado Alves, o deputado do PS que subscreveu o diploma e que tinha antes dito que este assunto não estaria a se discutido nesta cimeira, salienta que "a possibilidade das cobranças extrajudiciais já existe hoje, apesar de não regulada. Por isso, pretende-se assegurar regras apertadas, obrigando o registo, proibindo práticas agressivas do tipo cobrador de fraque e obrigando os demais agentes ao cumprimento de regras estritas de proteção dos devedores (gravação de chamadas, limitação da hora e locais de contacto, entre outros)".
Valentina Marcelino | Diário de Notícias | 06-01-2018
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