O ritmo das notícias nos media, ao mesmo tempo que propicia uma enormíssima abrangência de temas, tem o seu revés na relativa dificuldade em explicar convenientemente diferentes perspetivas de um único assunto: as notícias são dadas tão rapidamente quanto possível - basta olhar para o rodapé dos jornais televisivos -, porque há uma enormíssima quantidade de informação a transmitir, o que dificulta muito a tarefa editorial.
Dir-se-ia que esse é um "problema bom" - lembrando o que dizem os treinadores de futebol quando têm vários bons jogadores para uma posição -, mas complica sobremaneira a disponibilização de informação adequada, sendo as questões jurídicas um exemplo paradigmático disso. De facto, destas, as que mais importam em termos noticiosos são, muitas vezes, complexas: há, para os vários lados envolvidos, diferentes versões dos factos e diversos enquadramentos jurídicos, que envolvem diferentes regimes jurídicos, obrigando a extensos pareceres jurídicos, tudo o que - por ser longo e, devo reconhecer, muitas vezes maçador e inconclusivo (mesmo para juristas experimentados) - se presta mal à explicação jornalística.
Por isso, a discussão dos temas jurídicos - envolvendo (ou não) processos judiciais - peca, quase sempre, por uma deficiente explicação do direito que lhes está subjacente. Um exemplo: as providências cautelares - para a suspensão de umas obras, admitamos - são, muitas vezes, algo de um equívoco que consiste em dizer que os tribunais ordenam a suspensão de uma obra, quando, na verdade nenhuma decisão é tomada pelos nossos juízes. De facto, o contencioso administrativo obriga a que, mal as entidades administrativas são citadas (pela secretaria do tribunal) para o processo, devam parar (ou mandar parar) a execução das obras; como as obras param efetivamente, isso é apresentado como uma (ponderada) "decisão judicial" em vez de, como é realmente, o simples ato decorrente de alguém ter dado entrada de um processo.
A falta de perceção desta importante diferença causa na opinião pública a impressão de que algo foi já decidido, o que permite, claro, tirar conclusões sobre a (i)legalidade da atuação das entidades públicas, quando isso pode ser - e será muitas vezes - precipitado. Em casos de grande exposição pública, de nada valerá, mais tarde, uma decisão judicial favorável porque a perceção pública que se criou dificilmente será corrigida e, no caso de se tratar de um empreendimento urbanístico, por exemplo, cria-se um verdadeiro anátema: a obra será, para muitos e perenemente, ilegal e malquista.
É claro que tem de haver um tratamento jornalístico de temas como os do exemplo que apresento, mas, como dizia no início, a voragem dos nossos dias e a rapidez a que a informação é adquirida e é (porque tem que ser) difundida torna esse tratamento particularmente árduo e um desafio para os jornalistas e, sobretudo, para os juristas que, como eu, se esforçam por tornar os temas jurídicos mais claros e acessíveis à generalidade das pessoas.
Carlos Lucena | Diário de Notícias | 08-06-2018
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