António Vilar - "(..) Cada vez mais, o Direito escapa aos Tribunais e a outros órgãos de justiça e se afirma em outros lugares. O que é muito preocupante".
O medo, a dúvida, o perigo que marcam o quotidiano vulgar é algo que vem de fora, as mais das vezes, para nos desmotivar ou nos desencorajar na ação, nos cercear capacidades emancipatórias, pessoais e coletivas. A resiliência é, cada vez mais, necessária, até para não nos deixarmos deformar, resignadamente estraçalhados.
O conteúdo da informação a que temos hoje uma possibilidade de acesso avassaladora e em tempo cada vez mais acelerado tornou-nos frenéticos e desbussolados.
Prestar atenção à informação que circula é, porém, importante. Ponto é que se saiba apartar o lixo que a desvirtua da realidade que a esculpe e que só nos poderá fortalecer. Saber o que o seu conteúdo significa, essencialmente, implica interpretá-la e colocá-la no seu real, contexto, alavancando-a no intertexto adequado é tarefa imperiosa. Difícil tarefa, decerto, mas indispensável para atingir o conhecimento, porventura a sabedoria. O resto apenas mata o tempo e alimenta a inveja de uns quantos.
Informação, conhecimento e, depois, inércia também não tem sentido, no devir humano. O conhecimento – de si próprio e dos outros – obriga à ação transformadora do nosso ser e deste com os outros. Muitos, por aí fora, sabem tudo de nada, minimizando esse dado fundamental que é o de que o saber (ciência) sem consciência é um dos mais alienantes sabotadores da vida pessoal e social. No império da ignorância frenética de que se alimenta hoje a comunicação social e que a alimenta vale tudo: o verdadeiro e o falso; o possível e o virtual; o adivinhanço e a hipótese que “não lembra ao careca”; o sério e o calunioso, simplesmente. Tudo.
Ninguém renegará este estado das coisas, mas, de tanto se falar, ninguém lhe presta já a atenção devida. É assim qualquer coisa como a gripe que toca a todos, dela todos falam, mas ninguém sabe o que é verdadeiramente.
Com as notícias que vieram ao espaço público recentemente – juízes suspeitos de práticas ilegais, líderes acusados de corrupção e o mais que se viu e não foi pouco! –, uns vieram logo dizer que a Lei é igual para todos (surpreendente descoberta), enquanto outros sublinharam as falhas da Lei e, sobretudo, da Justiça, do seu tempo de aplicação, e da sua efetivação, nomeadamente invocando o desrespeito do segredo de justiça.
O certo é que, cada vez mais, o Direito escapa aos Tribunais e a outros órgãos de justiça e se afirma em outros lugares. O que é muito preocupante.
Perante o descalabro deste mundo cinzento e vazio e face a uma sociedade passiva, muda, mera consumidora de “notícias”, fica-se gelado, ou seja, cada vez mais nós próprios nos tornamos indiferentes, alienados, cansados. Eis, em todo o seu dramático esplendor, a “Sociedade do Cansaço” (Byung – Chul Han). Há que resistir, porém, e, sobretudo, expulsar de nós esse estado de alienação face ao mundo que nos envolve e construir uma outra relação com o mundo em que vivemos passando de menos consumidores do que nos é “oferecido” a transformadores deste mundo numa relação de ressonância (Hartmut Rosa), ou seja, mediante a aposta nas nossas capacidades e qualidades humanas, criativas e solidárias.
António Vilar | Vida Económica | 09-02-2018
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