Crítica ao recurso excessivo a pena suspensa

Homem filmado em agressão tem dez condenações sem prisão efetiva. Presidentes de associações de juízes e procuradores dizem que sistema penal favorece penas alternativas à cadeia.

Casos como o do suspeito de uma agressão violenta em Coimbra, em fuga após o crime ser filmado e divulgado, que tem dez condenações no registo criminal, sempre punido com multas ou penas suspensas, não são um bom exemplo de aplicação da justiça, reconhecem ao DN os presidentes das associações representativas dos juízes e dos procuradores do Ministério Público. Sem se pronunciarem sobre o processo em concreto, a juíza Manuela Paupério e o procurador António Ventinhas consideram que não podem existir tantas suspensões de pena, mas avisam que é necessário conhecer os casos e a informação que estava disponível aos juízes, como o registo criminal.

O suspeito, José Manuel Trigueiro, filmado com o irmão a agredir violentamente um homem no dia 1 de novembro em Coimbra, teve, entre 2006 e 2016, dez condenações sem nunca ter uma pena de prisão efetiva, conforme revelou o Jornal de Notícias, que consultou o certificado de registo criminal.

Para a aplicação das penas pelos juízes de primeira instância há que ter conta a data do trânsito em julgado de sentenças anteriores - à data de aplicação de uma pena podem existir condenações anteriores ainda em recurso - e também conhecer os processos em causa. O entendimento é que a pena suspensa evitará o cometimento de novos crimes. Isto não encaixa quando já há várias condenações. Uma pessoa que comete mais crimes mostra que não foi a pena suspensa que a impediu. Mas há muitas razões que são ponderadas pelo juiz, como a natureza diferente dos crimes, disse Manuela Paupério, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, para quem não faz muito sentido as sucessivas penas suspensa. Argumenta que um indivíduo que reiteradamente comete crimes mostra claramente que não arrepiou caminho. Mas há uma grande pressão do legislador, no nosso sistema penal, para que não se apliquem penas efetivas.

A dirigente considera que casos com estes contornos não são a regra e podem ser classificados como desvios estatísticos.

Na opinião de António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, os juízes abusam da aplicação de pena suspensa. Não me pronuncio sobre nenhum caso em concreto mas tenho uma posição muito crítica sobre a aplicação da pena suspensa em Portugal. Há casos em que configura uma verdadeira absolvição encapotada. Existe, na minha opinião, um recurso exagerado da pena suspensa, afirmou ao DN. António Ventinhas aponta ainda que, por vezes, demora tempo a comunicação dos tribunais ao serviço de registo criminal, sobretudo em alguns juízos com menor número de funcionários e afundados em processos.

O Ministério da Justiça (MJ) respondeu ao DN que o certificado de registo criminal está disponível de forma eficaz. O MJ considera que os instrumentos ao dispor dos tribunais para terem conhecimento do certificado de registo criminal de um arguido são suficientes e eficazes. O MJ tem vindo a agilizar o acesso às bases de dados do registo criminal inexistindo razões para duvidar da eficácia.

O professor de Direito Penal Fernando Silva concorda com esta visão de que o sistema dá resposta, apesar de reconhecer que, em certos casos, possam existir falhas. Este jurista diz que no Código Penal português vigora um princípio, que está solidificado, e que passa pela prevalência de penas que não sejam restritivas da liberdade. Por isso, só em última instância é que um tribunal deve privar as pessoas de liberdade.

Para decidir a pena a aplicar, se deve impor prisão efetiva ou não, os juízes têm dois fatores: Devem ponderar sobre o alarme social que o crime provocou e, além disso, devem decidir se é necessária a privação de liberdade do arguido para este sentir que não deve voltar a cometer os crimes. Não há dúvidas de que o registo criminal é um fator negativo para o arguido, caso esteja recheado de condenações. Funciona como agravante. A aplicação da pena de prisão significa que outras penas não se revelaram suficientes para que o arguido não praticasse mais crimes.

David Mandim | Diário de Notícias | 08-12-2017