A avaliações da Segurança Social e decisões dos tribunais contestadas por progenitores levantam dúvidas sobre práticas na proteção a crianças em risco. Só juizes podem controlar abusos na retirada de crianças aos pais.
Repetidos casos de retirada de crianças às famílias em clima de polémica trouxeram para o centro das atenções as comissões de proteção de crianças em risco e a Segurança Social. Erros de avaliação, falta de escrutínio, mecanização de decisões e ausência de contraditório são algumas reservas levantadas por especialistas em processos que acabam por vezes em adoções sob forte oposição dos pais. A lei impõe agora que as propostas de adoção sejam certificadas por um designado "Conselho Nacional para a Adoção", sob a égide da Segurança Social, mas os mesmos especialistas acreditam que o papel de controlo estará afinal só nas mãos dos juizes.
"Há a lei, o Ministério Público e os juizes para controlar possíveis casos de abuso. Não há uma superentidade, nem mais ninguém para ver se está bem", diz ao IN Guilherme de Oliveira, professor catedrático especialista em direito de família e menores e presidente do Observatório Permanente da Adoção. Em causa estão, por exemplo, processos (noticiados pelo JN) nos quais a retirada de crianças tem sido sustentada em fundamentos como episódios de quedas sem gravidade e em acontecimentos duvidosamente classificáveis como "negligência" - por exemplo, ausência de "odor a fresco" num bebé como suposto indício de falta de higiene, ou problemas de nutrição porque a mãe só consegue dar leite de uma mama, não obstante a criança apresentar o peso normal para a idade.
"É um tema que nunca terá resposta firme e clara. Pode haver propostas mal feitas por observações mal feitas de crianças, propostas mal feitas e decisões mal tomadas. Há sempre uma margem de livre apreciação. Não é matemática", acrescenta Guilherme Oliveira, acreditando, pela sua "experiência empírica", que "essas pessoas fazem e dão o seu melhor". No fim da linha, há controlo do juiz, sublinha o especialista.
Crianças longe das famílias
Manuel Madeira Pinto, desembargador da Relação do Porto, garante ao JN que tem havido efetivo controlo do trabalho da Segurança Social nos processos de proteção de menores e de adoção. Ele próprio, nos oito anos em que trabalhou no Tribuna] de Família e Menores do Porto, indeferiu vários casos de entrega de crianças para adoção. "Sem saber se era deliberado ou não, verificámos situações em que as crianças eram retiradas às famílias e colocadas em instituições e famílias de acolhimento localizadas a muitos quilómetros de distância, impossibilitando pais de parcos recursos económicos de visitar os
Justiça tira bebé e dois irmãos à mãe sem qualquer aviso
No final de setembro de 2016, Lígia Silva, 33 anos, ficou sem três filhos em apenas três dias. Um bebé foi-lhe retirado na maternidade dois dias depois de nascer. A decisão do Tribunal de Família de Matosinhos baseou-se num relatório da Segurança Social que Lígia diz ter "falsidades" e que deu origem à extração de certidão com vista a processo-crime contra a autora. seus filhos. Mais tarde, em face da ausência de visitas, era proposta a confiança para adoção. Nessas situações, estas propostas foram julgadas improcedentes, porque a ausência de visitas não era injustificada e imputável às famílias", explica o magistrado ao IN, enfatizando o entendimento de que "as famílias pobres devem ser apoiadas e não prejudicadas por serem pobres".
Paulo Pimenta, presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, salienta que o sistema de proteção de menores e das adoções "funciona em circuito fechado, mas ninguém parece preocupar-se muito". O advogado diz ver decisões "serem tomadas em processos de cariz essencialmente burocrático, largamente condicionados por relatórios provindos de técnicos da Segurança Social", relatórios esses "cujo rigor, precisão, utilidade e até correspondência com o caso a que se reportam suscitam as maiores reservas e dúvidas". Daí, também, a importância do controlo judicial. "Das duas, uma: ou os magistrados são particularmente zelosos e rigorosos, caso em que a maioria dos relatórios seria rejeitada (o que poria a nu o mau desempenho dos técnicos que os fazem), ou acabam por ser tomados por uma certa mecanização procedimental e argumentativa, ficando reféns desses relatórios, que são todos mais ou menos semelhantes de uns casos para os outros".
Pimenta acredita ainda que grande parte das famílias, com limitações económicas e de informação, não tem condições para "questionar os ditos relatórios, que lá se vão impondo". O dirigente da Ordem dos Advogados conclui que "a única garantia de uma real sindicância por uma entidade externa estaria na obrigatoriedade do patrocínio judiciário em todos os momentos da tramitação, tornando em efetivo contraditório aquilo que muitas vezes não passa de um simulacro".
Advogados críticos:
Aníbal Pinto
• O advogado de L:S. não vê necessidade de alterar a lei. "Além de clara, é absolutamente adequada. O problema reside na sua interpretação e na responsabilidade da sua aplicação" considera Aníbal Pinto. "Antes de se afastar um menor dos progenitores, tem de haver a garantia fundamentada de um perigo real e iminente. Face aos problemas que têm existido, é necessário sensibilizar e responsabilizar as técnicas da Segurança Social pelos seus relatórios" diz o advogado. "No mais", acrescenta, "cabe ao Ministério Público defender os interesses dos menores que, não se verificando perigo devem, sempre que possível, estar com os progenitores". Aníbal Pinto não tem dúvidas de que existe "leveza" em muitas propostas de menores para adoção. E que tal se deve "a falta de sensatez, de sensibilidade e total desconhecimento da lei".
João Soares Almeida
• Para este advogado, que defende VN e GR, a quem foram retirados dois dos quatro filhos, "o sistema judicial pressupõe quejuízes, procuradores, técnicos e advogados são todos sérios e competentes". Porém, ressalva, "não é notoriamente assim". E para "remediar o que não está bem", João Almeida sugere que "o sistema tem de permitir um controlo diverso, rigoroso e transparente", de modo a assegurar "todas as condições para a mais adequada decisão, sempre lembrando que uma adoção uma vez decidida é irreversível".
Observatório parado por falta de subsídios
O Observatório Permanente da Adoção (OPA) foi criado em abril de 2006, no seio da Universidade de Coimbra, mediante um protocolo celebrado entre o Ministério da Segurança Social e o Ministério da Justiça. Elaborou estudos, acompanhou o funcionamento da adoção em Portugal e das comissões de proteção de menores em risco e esteve na origem da criação da figura do "apadrinhamento civil". Porém, este Observatório está parado desde 2011. Motivo principal: os ministérios responsáveis pela sua criação deixaram de subsidiar.
"O OPA não está extinto, mas tem estado parado. Não só pela falta de subsídios, mas também porque vários dos seus membros são professores universitários e, a certa altura, tiveram de dedicar-se a assuntos relativos às suas carreiras académicas", explica ao IN Guilherme de Oliveira, professor catedrático jubilado, responsável do Centro de Direito da Família da Universidade de Coimbra e ainda formal responsável pelo Observatório Permanente da Adoção.
O JN questionou o Ministério da Segurança Social sobre a paralisação do OPA. Fonte oficial respondeu que aquele observatório é "uma linha de investigação e não de uma entidade e/ou estrutura". E que o último relatório recebido foi o de 2011, referente ao "apadrinhamento civil". Nenhum esclarecimento sobre a falta de financiamento, nem sobre os planos de futuro. No primeiro ano do protocolo, o OPA recebeu um subsídio de 50 mil euros - 25 mil do Ministério da Segurança Social (na altura liderado pelo atual ministro Vieira da Silva) e verba idêntica do Ministério da Justiça.
Até 2011, o OPA produziu vários estudos que suportaram alterações legislativas e inclusive elaborou um "manual de más práticas" das comissões de proteção de crianças em risco, com descrição de 14 maus exemplos de casos concretos.
"Muita coisa não está bem", diz deputada
Luísa Salgueiro, vice-presidente da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e membro da Comissão Parlamentar do Trabalho e Segurança Social, afirma que as comissões de proteção de crianças e jovens (CPCJ) "funcionam com escassos recursos humanos", atribuindo responsabilidades ao anterior Governo, que "retirou 700 funcionários de funções, muitos deles afetos a estas comissões".
A agora candidata do PS à Câmara de Matosinhos foi, durante oito anos, presidente da CPCI de Matosinhos. A sua experiência pessoal diz que a redução do número de técnicos "provocou o fim do regime de rotatividade" e, com isso, ficaram prejudicadas "a estabilidade das equipas e confiança no trabalho entre os técnicos".
Luísa Salgueiro diz desconhecer situações em que alguém tenha fundamentado uma decisão no facto de uma criança "não cheirar a fresco" (caso de um bebé de Santo Tirso) e adianta ser testemunha "do esforço de todos os profissionais em adotarem todas as medidas de proteção das crianças, quer nas escolas quer no apoio junto da família, sendo a retirada aos pais a última solução a que recorrem". Contudo, a deputada do PS reconhece que "muita coisa não está bem", defendendo que "antes de criar um órgão que fiscalize estas situações", é mais importante "reforçar os meios de quem já trabalha para defender e proteger milhares de crianças".
Juiz manda adotar menina contra a vontade do pai. A.S., 50 anos, desempregado do Porto, não consegue arranjar um emprego estável. E por isso vai perder para sempre a filha de dois anos. O Tribunal de Família do Porto não aceitou dar-lhe seis meses para criar condições que lhe permitam cuidar da filha.
Casal luta contra adoção "inexplicável". O Tribunal de Família de Gondomar iniciou o processo de adoção de um menino e uma menina contra a vontade dos pais, V. e G., que têm mais dois filhos a seu cargo. As crianças foram retiradas porque a Segurança Social viu "negligência" em duas quedas.
Bebé retirado por fragilidades "falsas"- Uma queda sem consequências e alegadas fragilidades na alimentação - malgrado o bebé ter o peso normal para a idade - e na higiene ("não cheirava a fresco"), segundo a Segurança Social, levaram o tribunal de Sto. Tirso a retirar a criança. Os pais dizem que é falso.
Nuno Miguel Haia e Oscar Queirós | Jornal de Notícias | 27-01-2017
Comentários (2)
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Cá como na Inglaterra as crianças e os pais pobres sofrem sem Justiça!!!!
Pela reportagem do sexta as 9 da RTP ficamos a saber que afinal quem tem o poder é a Tecnica
E que podem verter mentiras e inventar o que bem lhes aprouver que o que conta em tribunal é o relatório que segundo um advogado entrevistado era tipo copy paste de uns para outros !!!!
Para que vão a tribunal se quem decide é a dita de técnica?
Há muito tempo que o negócio já foi desmascarado em Inglaterra mas a teia é muito maior do que se pensa. Agora vamos pensar, que justiça irão ter os pais a quem se vier a provar que as crianças foram retiradas indevidamente ?
Isto se esses pais tiverem dinheiro para pagar taxas , advogado e o caso não ficar perdido nas calendas
Que justiça que direito? as crianças nao vao ser devolvidas e a maioria nao vai ser ressarcida isso é garantido A Constituiçao é para estar bem arquivada e escondida.!!!! Era tempo de investigar bem esse negócio da adoção Sta Casa Ipss Sem fins lucrativos então porque mentem??
Tudo em nome do superior interesse da criança??????
Depois há terroristas !!!!!!
Factos são factos!
Por cá, na terra dos brandos costumes, tal como em terras de sua majestade, o rapto institucionalizado de crianças, é enormemente mais perverso e inqualificável!
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