Foram já detectados mais de milhar e meio de diplomas obsoletos através do levantamento da legislação portuguesa que está a ser feito por uma equipa de juristas da Presidência do Conselho de Ministros (PCM), no âmbito da simplificação administrativa e legislativa que integra o programa do Governo.
Este levantamento, que ainda só inclui cinco anos de produção legislativa, está associado ao enriquecimento e consolidação do novo Diário da República Electrónico e tem como propósito a optimização legislativa, ao identificar leis que caíram em desuso ou não fazem sentido hoje, mas que nunca foram revogadas.
O sistema permitirá conhecer as leis que duplicam funções em diversos departamentos do Estado e aumentam encargos administrativos. Feita sob a supervisão da ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, a sistematização inclui decretos dos governos e leis da Assembleia da República.
Nas mais de 1500 leis aprovadas entre 1974 e 1978 que foram assinaladas como estando mortas pelo esvaziamento do seu conteúdo, encontra-se, por exemplo, o decreto que extingue os concelhos territoriais das províncias ultramarinas. Outro texto caído em desuso pela evolução da sociedade e da regulamentação da economia é um diploma que determinava as regras da produção de farinha de pão. Tal acontece também com uma lei criada para proibir o estacionamento em frente das casas de câmbios e repartições de finanças.
O esvaziamento de diplomas legais é contínuo e prolonga-se ao longo de décadas, que ainda serão analisadas. Mas à partida é possível considerar, por exemplo, que os diplomas que determinaram e regularam a privatização de empresas públicas também caíram em desuso, uma vez que extinguiram o seu objectivo quando ficaram consumadas as privatizações.
No final do segundo Governo de José Sócrates, o secretário de Estado da Presidência, João Tiago Silveira, tentou levar a cabo esta tarefa e ainda apresentou uma proposta de lei no Parlamento, mas a queda do executivo impediu a sua aprovação. No debate parlamentar, João Tiago Silveira foi acusado de estar a pensar nas estatísticas, mas há um sentido prático de racionalização legislativa que justifica esta sistematização.
Caídos em desuso
O levantamento e a sistematização dos diplomas já sem conteúdo ou objecto de aplicação nos dias de hoje, ou seja, extintos na prática, destina-se a prestar informação aos cidadãos através do site do Diário da República digital. Mas tem também o propósito de racionalizar a máquina do Estado, acabando com procedimentos burocráticos desnecessários e apresentar aos cidadãos as exigências disparatadas e sem sentido hoje, que muitas vezes variam de serviço para serviço.
O processo está em curso e é responsabilidade da equipa de juristas da Presidência do Conselho de Ministros que já fizeram o levantamento de toda a legislação produzida entre 1974 e 1978. Agora segue-se a busca até ao início dos anos 80 do século XX.
Os juristas da PCM trabalham em conjunto com os de cada ministério. Assim, os ministérios podem dizer se há conteúdos a preservar em leis antigas que perderam razão de ser no seu conjunto, mas também alertar para decretos que se esgotaram e que eventualmente não tenham sido detectados pela equipa principal.
A elaboração do levantamento sistematizado das leis obsoletas não implica que a sua revogação venha a ser feita pelo Governo. Depois de listados dos diplomas, o poder de revogação formal caberá à Assembleia da República. Isto, além da competência dos tribunais para interpretar as leis em vigor.
Quanto ao Governo, a intenção é listar o que está ultrapassado, até para que se possam identificar as regras que, no Estado, estão em vigor e que já não fazem sentido, alterar procedimentos e evitar a duplicação de funções e de custos. Muitas vezes, há normas burocráticas que permanecem nos serviços públicos porque foram criadas por uma lei, mas ninguém se lembrou de as pôr de lado quando o objectivo dessa lei se esgotou ou deixou de fazer sentido.
Leis digitais
O sistema que possibilita esta triagem de leis funciona no âmbito do novo site Diário da República digital, que tem como objectivo facilitar a consulta pelos utentes e sistematizar a legislação portuguesa e tem já à consulta gratuita de qualquer cidadão dezenas de regimes jurídicos. Entre eles está, por exemplo, o do Código Penal, mas também as leis sobre banca, viticultura ou veterinária, o direito comercial e a segurança rodoviária.
Lançado a 19 de Dezembro de 2016, o site permite perceber que até hoje existiram mais de 40 processos de alterações ao Código Penal. Ao disponibilizar, online e gratuitamente, toda a legislação, este mecanismo informático cumpre o princípio de que os cidadãos têm direito ao acesso à informação jurídica e evita-lhes o recurso à intermediação de advogados — ou seja, obedece à ideia de que não faz sentido que um cidadão, para abrir um stand de venda de bifanas, por exemplo, tenha de consultar um advogado para conhecer o regime jurídico aplicável.
Menos leis com mais estudo prévio
O Governo está a preparar o lançamento do projecto “Custa quanto?” que consiste no lançamento de unidade técnica para estudar o impacto orçamental das leis produzidas antes da sua aprovação pelo Conselho de Ministros.
A medida está prevista desde o início deste executivo e houve já diplomas que foram sujeitos a apreciação prévia de impacto. Agora a ideia é generalizar o procedimento. A ministra da Presidência e da Modernização Administrativa anunciou no Parlamento na quinta-feira que o projecto deverá ser aprovado em finais de Fevereiro.
O princípio do Governo neste domínio é o de fazer menos leis, mas com a preocupação de que a aplicação das leis aprovadas seja viável. A ideia é a simplificação legislativa. Daí que se tenham reduzido a cerca de um por mês os Conselhos de Ministros que aprovam decretos ou propostas de lei para enviar à Assembleia da República.
No ano de 2016, o Governo conseguiu o recorde mínimo de leis aprovadas. Ao todo, apenas 98 decretos e nove propostas de lei. Isto contra os 269 decretos e 195 propostas de lei aprovados pelo anterior Governo em 2015. No executivo do PSD-CDS, o ano de produção legislativa mais baixa foi 2011, com 137 decretos e 87 propostas de lei. Em 40 anos, este foi o Governo que menos legislação aprovou.
Outra novidade introduzida por este Governo é que os decretos são aprovados em conjunto com a regulamentação para que possam entrar em vigor sem demoras. Assim como foi generalizado o recurso à crescente desmaterialização do processo legislativo, que circula no Governo via electrónica e nem obriga a que os ministros se reúnam fisicamente, como aconteceu com o aumento do salário mínimo nacional.
Centro de competência jurídica para optimizar Estado
Anunciado por Costa para Março, o primeiro centro de competências pretende diminuir a quantidade de pareceres e estudos jurídicos feitos fora do Estado.
No debate quinzenal, no meio de vários anúncios, passou quase despercebido. A ideia estava desde 2015 no programa do Governo, mas na quarta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou-a do alto da tribuna da Assembleia da República: “O primeiro centro de competências a criar será na área dos serviços jurídicos, até ao fim do mês de Março.”
António Costa discursava em estilo de apresentação de intenções para anunciar as próximas etapas da sua governação. Entre as medidas previstas desde a Agenda para a Década (elaborada antes das legislativas de 2015) e vertidas para o Plano Nacional de Reformas, aprovado em final de Abril de 2016, o primeiro-ministro destacou na área das reformas de modernização administrativa do Estado a criação do primeiro centro de competências, o jurídico, a que se deverão seguir outros em áreas como a informática, a economia e a engenharia.
No Parlamento, o primeiro-ministro foi mais longe fez questão de explicar a medida: “Os centros de competência visam concentrar e potenciar competências qualificadas na administração pública em domínios especializados com o objectivo de diminuir a contratação externa e reforçar o conhecimento e o saber fazer dentro da administração pública.”
Integrada no projecto de simplificação e modernização administrativa, esta medida não tem como objectivo acabar de vez com o recurso a pareceres ou estudos externos por parte dos ministérios e dos serviços de Estado. É dado como certo que haverá sempre recurso a pareceres externos, porque haverá sempre assuntos para decidir, arbitrar ou legislar que envolvem um tal grau de minúcia e profundidade que os centro de competências do Estado não poderão ter dimensão para dar resposta.
A ideia é a de que o Estado seja mais autónomo e recupere a competência e autonomia que ao longo de décadas foi perdendo ao ver os seus gabinetes de estudos serem esvaziados pela contratação de serviços a gabinetes e escritórios privados.
O princípio a que obedece esta iniciativa é o da optimização dos recursos do Estado e a diminuição de custos. A lógica é a dos centros de compras que servem em conjunto diversas secretarias-gerais de ministérios. Além da conquista de alguma autonomia jurídica, o objectivo é o de que a criação de um centro de competências jurídico contribua também para a uniformização da produção legislativa para que não haja descoordenação quanto a regras e procedimentos legislativos entre ministérios.
Existe já um centro jurídico que funciona na Presidência do Conselho de Ministros. Tem 11 juristas e um quadro que permite ir até aos 12. Mas a sua dimensão não é suficiente e a noção disso levou a que a sua transformação fosse incluída no programa do Governo. Isto porque, sem meios internos no Estado, não há forma de não recorrer a serviços externos, ou seja, não há como evitar o recurso à contratação de pareceres jurídicos a privados.
Ainda antes de preparar a criação do centro de competência, o Governo começou a limitar o recurso a pareceres e estudos externos ao Estado. No Orçamento do Estado para 2017 houve uma cativação de 25% das verbas destinadas a estes serviços externos. Já no Orçamento do Estado para 2016 havia a recomendação de que só se recorresse a serviços externos quando não havia possibilidade de os assegurar dentro dos ministérios.
São José Almeida | Público | 14-02-2017
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