Tráfico de armas e droga, extorsão, branqueamento de capitais, auxílio à imigração ilegal, fuga ao fisco. É esta a lista de crimes associados à atividade da segurança privada, de acordo com um relatório reservado, entregue à ministra da Administração Interna há um ano e agora divulgado.
Nenhuma das principais recomendações feitas para travar o fenómeno terá sido ainda executada, segundo a Associação de Empresas de Segurança (AES), que relaciona a situação com os graves problemas laborais existentes no setor, como o trabalho não declarado e prática de preços abaixo de custo (dumping). O documento é da autoria do "Grupo de Trabalho - Segurança Privada" que integra, além da AES, a GNR, a PSP, a PJ, a Autoridade Tributária (AT) e a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT).
O PCP teve conhecimento do diagnóstico na semana passada, quando a PSP o publicou na sua página oficial, e ficou alarmado. "Pela abrangência e gravidade da informação transmitida, não pode ser ignorado", escreve o deputado Jorge Machado no texto de introdução às perguntas que enviou ontem mesmo a Constança Urbano de Sousa. Os comunistas consideram que o relatório "suscita muitas preocupações". "Além dos problemas de foro laboral, é referido um conjunto de problemas de ligação deste setor à atividade criminosa que importa apurar, investigar e combater", escrevem. E questionam a ministra sobre o o estado atual da situação e a execução das recomendações.
O Governo diz que as medidas estão a ser tratadas e destaca os "processos judiciais ligados ao setor da segurança privada no ano de 2016 que revela o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelas entidades com competência neste setor". As operações "Punho Cerrado", que desmantelou uma empresa que se dedicava à segurança de bares e discotecas, e a "Fénix", que travou outra empresa da noite, que trabalhava com o FC Porto, são alguns exemplos conhecidos. O gabinete de Constança Urbano de Sousa assinala que o "aumento do número de situações de exercício ilícito de segurança privada" que é registado neste relatório, foi travado em 2016, com " uma redução drástica " de casos, de 279 para 109. Por isso, tendo em conta todas as operações de combate ao crime conhecidas e o reforço da fiscalização, o MAI considerou que a situação descrita no documento não mereceu "medidas excecionais de combate, face às ações bem sucedidas das forças de segurança".
Rogério Alves, presidente da AES, não tem a mesma perceção, dada por quem está no terreno. "Reunimos na semana passada com a secretária de Estado da Administração Interna, Dra. Isabel Oneto, e o que nos foi dito é que as medidas que recomendámos estavam em fase de implementação", garantiu ao DN. Uma delas, a criação de equipas mistas (com polícias e autoridades laborais e fiscais), que o ministério diz já estar a ser realizada, "só numa fase muito inicial", diz Rogério Alves. "Um dos principais problemas, no nosso entender, na origem de todos os outros, é o trabalho não declarado, com a consequente fuga ao fisco e a concorrência desleal para quem cumpre. Não é livre concorrência, é batota".
Medidas recomendadas
Equipas mistas
› Constituição de equipas multidisciplinares de fiscalização foi uma das recomendações feitas pelo Grupo de Trabalho, para ultrapassar os bloqueios da vasta legislação e distribuição de competências de fiscalização no setor. Estas equipas teriam polícias, autoridades laborais e associações representativas do setor. O Governo diz que já estão no terreno. A AES diz que "só numa fase muito inicial".
Trabalho não declarado
› Para combater o trabalho não declarado, o qual, segundo os autores do relatório, "põe em causa a sobrevivência do setor, implicando para o Estado uma diminuição d receita fiscal e das contribuições para a segurança social", deve haver um reforço da fiscalização às empresas.
Responsabilidade solidária
› Exigir de quem contrata serviços de segurança privada que acautele que as empresas cumprem a legislação laboral com os seus trabalhadores e aplicar coimas a quem contrate sem este cuidado.
Cruzamento de dados
› Registar na base de dados da PSP todas as informações da atividade das empresas, seus contratos e trabalhadores, permitiria um cruzamento de informações para detetar alguns dos principais ilícitos que atingem o setor, como a prática de preços abaixo do custo e o trabalho não declarado. O ministério da Administração Interna diz que as entidades competentes já estão a analisar "indícios" resultantes de cruzamento de dados e a procurar "soluções informáticas " que sinalizem de imediato "situações de incumprimento".
Dumping
› Proibir a venda de serviços de segurança privada abaixo do seu custo, ou do preço mínimo recomendado pela Autoridade para as Condições do Trabalho, é a medida defendida para combater o dumping. O grupo de trabalho quer "desligar a noção de preço anormalmente baixo da simples indexação ao preço base" dos concursos. Lembra que "a manter-se a prática de preços que se têm vindo a verificar, o grau de cumprimento da legislação laboral, tenderá a decrescer".
Valentina Marcelino | Diário de Notícias | 21-03-2017
Comentários (0)
Exibir/Esconder comentários
Escreva o seu comentário
< Anterior | Seguinte > |
---|