Famílias de presos alvo de chantagem. Coação: gangs exigem dinheiro a outros reclusos, sob ameaça de espancamentos. Vítimas detetadas com número de conta bancária dos presos que fazem a extorsão.
A denúncia é dos guardas prisionais, que apontam o ambiente de terror vivido em muitas das 49 cadeias do País. Reclusos e famílias estão a ser chantageados pelos chefes de gangs formados nos estabelecimentos prisionais, que exigem dinheiro a outros reclusos, sob ameaça de espancamentos.
Há situações de extorsão monetária e até de obrigação de cometimento de crimes, como tráfico de droga e transporte de telemóveis par a o interior e exterior das cadeias. Os reclusos obrigados a cometer crimes são forçados a introduzir os artigos no ânus ou até a engoli-los. Ao CM, a Direção-Geral dos Serviços Prisionais não desmente a situação, apenas recusa que existam gangs organizados nas 49 prisões nacionais.
Os vários casos já detetados pelos guardas têm ocorrido em cadeias de segurança elevada, como Vale de Judeus, Carregueira, Alcoentre, Paços de Ferreira, Custoias, Sintra, Linho e Lisboa. Fontes prisionais disseram ao CM que os reclusos agredidos justificam as marcas de violência que exibem com “quedas nas escadas”. As denúncias destas situações são na maioria anónimas: poucas são as assumidas de viva voz por familiares dos reclusos.
Em vários estabelecimentos prisionais, no entanto, já foram apreendidos documentos que provam as extorsões. Em Paços de Ferreira, recentemente, um recluso foi apanhado com um papel que continha o IBAN da conta bancária de outro preso.
Os guardas prisionais acreditam que estava a ser obrigado a depositar dinheiro na conta de um chantagista. Em Vale de Judeus, por seu turno, dois reclusos aos quais foi confiada a gestão do refeitório foram apanhados numa burla que consistia no uso de dinheiro das contas -correntes de outros reclusos, depositado por familiares.
Ao CM, os Serviços Prisionais mostraram-se disponíveis a acolher “estas denúncias, para assim abrir os respetivos processos de averiguações”.
Telemóveis são motivo de disputas
De 1 de janeiro a 19 de dezembro do ano passado, a Direção-Geral dos Serviços Prisionais apreendeu 2041 telemóveis nas 49 cadeias portuguesas. A posse, venda e transação destes aparelhos, cuja posse e utilização é proibida pelo regulamento interno das prisões, é outro motivo de disputa por parte de grupos organizados nas prisões. É possível adquirir estes aparelhos entre os reclusos, em especial nas cadeias de maior lotação.
Recluso atacado em Ponta Delgada
Um recluso da cadeia de Ponta Delgada, de 32 anos, foi ontem agredido por um colega, de 30, que já tinha sido repreendido pelos guardas. O agressor, a cumprir pena por tráfico de droga e roubo, insultou o colega na presença de um guarda prisional. Quando foi afastado, empurrou o colega, levando-o a bater com a cabeça no chão e a precisar de ser hospitalizado.
Guardas apanhados em Vale de Judeus
Dois guardas prisionais da cadeia de Vale de Judeus, de alta segurança, foram exonerados (medida disciplinar equivalente ao despedimento na Função Pública) após a ministra da Jus tiçater aceitado as decisões disciplinares proferidas contra ambos pelo diretor- – geral dos Serviços Prisionais, Celso Manata, que os considerou culpados de infrações muito graves.
Numa das situações, um guarda prisional de Vale de Judeus começou por ser alvo da denúncia de um recluso, que tomou a iniciativa de mostrar um comprovativo de depósito bancário na conta do guarda, para pagar um telemóvel. Dias antes, o mesmo guarda já tinha sido visto a entrar na cadeia com uma mochila que depois foi encontrada na posse de um recluso. No interior estavam vários embrulhos de papel de alumínio, com telemóveis no meio de fatias de pão.
O segundo guarda foi despedido por cobrar pessoalmente dinheiro aos clientes da oficina da cadeia que ali colocavam os carros para serem reparados. A oficina já foi fechada.
Miguel Curado | Correio da Manhã | 30-01-2017