Justiça. Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, governo e Ordem dos Advogados admitem atrasos nos processos de inventário. Ministério da Justiça está a fazer levantamento.
Os processos de inventário - partilhas de bens em casos de herança litigiosa- estão com "grandes atrasos", havendo mesmo casos em que "os notários resistem a este tipo de processos e dão prioridade à realização de escrituras públicas". As denúncias vêm de várias frentes: Ordem dos Advogados, Ministério Público ou mesmo Ministério da Justiça (MJ).
"Chegaram já algumas exposições que referem a existência de cartórios notariais com um significativo número de processos de inventário e que, não conseguindo por vezes tramitá-los com a celeridade desejada, invocam a dificuldade em conciliar esta competência com outras que lhes estão cometidas", refere fonte oficial do gabinete de FranciscaVan Dunem.
Por isso, o MJ está a fazer um levantamento no terreno da reforma dos inventários - em que a partilha de bens em caso de herança passou dos tribunais para os notários- para avaliar se estas alterações de 2013 trouxeram benefícios ou se pioraram o tempo médio de conclusão dos processos. O DN tentou obter dados da Ordem dos Notários, que remeteu essa divulgação para o gabinete da ministra.
Em 2015 (os dados mais recentes reportam-se a esse ano), os notários apenas concluíram 10% do número de processos entrados. Ou seja: dos 4260 que deram entrada nos tribunais, 420 foram concluídos. No ano anterior, dos 3586 entrados apenas 142 inventários foram feitos.
"Temos conhecimento de vários processos de inventário com grandes atrasos, em alguns casos superiores ao que se conhecia nos tribunais, razão pela qual o argumento da demora e das pendências não serve para esta discussão", explica ao DN o bastonário dos advogados Guilherme Figueiredo [ver entrevista ao lado).
O processo de inventário foi identificado como um dos casos com a duração média mais elevada nos nossos tribunais, antes da reforma de Paula Teixeira da Cruz. Na altura, pressionada com a vinda da troika, a então titular da pasta da Justiça retirou estes processos de partilhas dos tribunais e passou-os para as mãos dos notários. O próprio presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, diz que "têm sido relatados casos de notários que não tramitam os processos de inventário ou o fazem com muitos atrasos, pois resistem a exercer uma nova competência a que foram obrigados e dão prioridade à elaboração de escrituras públicas".
Já João Maia Rodrigues, bastonário da Ordem dos Notários, diz ao DN que "em termos de pendências, é de salientar que se encontram pendentes de atos notariais menos de um terço das pendências a aguardar desenvolvimentos de outros intervenientes como solicitadores ou advogados". Mas não refere números em concreto.
Acrescenta ainda uma clara melhoria do tempo médio de conclusão dos processos. "Com a tramitação de inventários a decorrer nos cartórios notariais, em2015, o tempo médio de duração passou a ser de dez meses e não os 44 meses". Da parte do Ministério da Justiça, "o trabalho de consultas, em curso desde finais do último trimestre de 2016, está a ser desenvolvido pela Direção-Geral da Política de Justiça, e deverá culminar com a entrega à ministra de um documento preliminar de avaliação da situação", avançou fonte do MJ ao DN. Que adianta ainda que "enquanto a Ordem dos Advogados, através da anterior bastonária, considerou que o regime era uma fonte de denegação de Justiça, o bastonário dos notários entende-o como uma forma adequada de tramitação do inventário".
ENTREVISTA A GUILHERME FIGUEIREDO - BASTONÁJRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS
"Notários não têm a cultura do litígio"
Os processos de inventário (quando ainda estavam nos tribunais) demoravam muito tempo a serem concluídos?
É verdade que muitos processos de inventário demoravam muito tempo a serem concluídos, essencialmente por duas razões: primeiro porque vários continham muitos bens, sobre os quais não existia acordo quanto à sua titularidade, ou ao valor, nem quanto à partilha e com vários interessados (questões congénitas); em segundo lugar, demoravam quando chegava à fase da partilha.
Os notários têm competência para tratar destes casos?
Os notários têm elevada competência para o exercício do notariado, que se reconduz a uma cultura de exaração da convergência de vontades ou vontade unilateral, com verificação prévia da conformidade legal, mas já não para instruir e decidir casos que exigem uma cultura do litígio. Nestas matérias muitos poderão não estar preparados. Mas a questão é que se trata de uma profissão liberal, com as suas clientelas, sem a obrigatoriedade de constituição de advogados, e sem terem a cultura do litígio.
Acha que este governo tem abertura para alterar o regime?
A realidade vai obrigar a alterar esta, porventura a construir um regime misto, em que o processo começa nos tribunais, corre perante estes na fase de litígio, e passa para os notários na fase da partilha. A senhora ministra é uma pessoa muito inteligente, sensível aos problemas e, nesse sentido, capaz de adequar a lei à realidade e às respetivas culturas. Têm sido relatados casos de notários que não tramitam os processos de inventário ou o fazem com muitos atrasos.
Conhece casos destes?
Temos, Ordem dos Advogados, conhecimento de vários processos de inventário com grandes atrasos, em alguns casos superiores ao que se conhecia nos tribunais, razão pela qual o argumento da demora e das pendências não serve para esta discussão.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 19-03-2017
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