Validação de candidaturas em períodos de paralisação não é considerada "serviço urgente". Mas órgão que lidera juizes pode decidir nesse sentido e travar adiamento das eleições.
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) tem poder, se assim o decidir, para travar o bloqueio que os juizes querem fazer às eleições autárquicas, caso a greve avance em agosto.
Em causa estão as alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais - cujo processo negociai entre a ministra, CSM e Associação Sindical dos Juizes Portugueses está a decorrer- e em que a estrutura sindical já fez saber que a proposta do governo é "insuficiente". Por isso, ameaça com uma greve que poderá ser marcada para o início de agosto, o que poria em causa o ato eleitoral de 1 de outubro, já que são os juizes que têm, segundo a lei, de validar as candidaturas autárquicas. Porém, caso esse cenário se concretize, o CSM terá de decidir se usa a prerrogativa de ser o órgão que regula a atividade dos juizes para definir, de forma excecional, a validação de candidaturas como serviço urgente, usando assim os serviços mínimos requisitados em dias de paralisação. O CSM é o órgão de disciplina e gestão dos magistrados e que integra diversos membros designados pelo poder político.
Contactado pelo DN, Mário Morgado, vice-presidente do CSM, preferiu não comentar. Tal como não quis manifestar qual a posição oficial do CSM face à proposta de alteração da ministra. Mas não deixou de comentar o estado atual das coisas: "Devido à exclusividade absoluta e vitalícia a que estão sujeitos, o valor dos vencimentos dos juizes não expressa apenas o que auferem. Por essa via é definida uma baliza, um teto inultrapassável ao nosso nível de vida. Como não podemos fazer mais nada, estamos absolutamente impedidos de alguma vez ter um nível de vida consentâneo com a natureza das funções que exercemos", disse ao DN. Para já, tal como já foi noticiado, já se sabe que os magistrados (juizes e procuradores) vão voltar a receber o subsídio de compensação como valor anterior aos cortes do período da troika. Ou seja, passarão de 620 euros para 775 euros líquidos, valor extra adicionado ao ordenado-base.
Na quarta-feira, na Assembleia da República, Francisca van Dunem assumiu que "a componente remuneratória prevista na revisão dos Estatutos dos magistrados já está devidamente acautelada e acomodada no próximo Orçamento do Estado". Mas lançou o recado: "Poderão não corresponder à expectativa dos senhores magistrados."
Mário Morgado admite que "os juizes têm os salários congelados desde 1999 e que são a única classe profissional que não beneficiou de qualquer exceção à progressão da carreira, pois, desde médicos, forças de segurança e outros, têm tido alterações ao regime remuneratório".
Contra proposta entregue
Ontem, a ASJP entregou ao Ministério da Justiça a sua contraproposta em que apresenta soluções de revalorização da carreira e propostas concretas quanto ao regime disciplinar dos magistrados. E defende que a proposta do governo "não é uma verdadeira base negociai", uma vez que traduz uma "mera reposição de um direito", segundo explicou o secretário-geral João Paulo Raposo. Assumindo que esta medida da ministra (de repor o subsídio) não é suficiente e que as propostas são "muitíssimo moderadas", aplicáveis apenas a cerca de dois mil profissionais, com um impacto orçamental muito diminuto.
O dirigente da ASJP disse ainda pretender "a requalificação do subsídio atual e o restabelecimento de uma verdadeira carreira".
Na contraproposta está ainda a defesa da independência dos juizes. O que se prende com uma norma do projeto de revisão dos Estatutos do governo que impõe um dever de respeito e obediência dos juizes a ordens ou instruções do juiz-presidente e do CSM. A associação entende que aquela norma reflete um "mecanismo de verdadeira subordinação administrativa" e lembra que os juizes só devem obediência às decisões dos tribunais superiores. A ASJP salienta também que avançou com contrapropostas concretas quanto ao regime disciplinar dos juizes, que pretende prevenir novas condenações do Estado português pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e também por esta via salvaguardar a independência na decisão. O problema resulta de a impugnação de decisões pelos juizes serem dirimidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, que não aprecia os factos só avaliando as questões de direito. Por isso, a ASJP quer alterar a situação. A contraproposta da ASJP, no âmbito da revisão dos Estatutos, contempla ainda outras matérias relativas à carreira, à aposentação, gestão dos tribunais e inspeções especializadas.
No domínio das inspeções, pretende-se, por exemplo, evitar que um inspetor (que é quem avalia os magistrados de quatro em quatro anos) que fez toda a carreira nos tribunais criminais seja designado para inspecionar os tribunais de comércio. Ou seja: inspeções devem ser feitas por magistrados que sejam da área que estão a avaliar.
A ASJP propõe ainda, quanto à composição do Supremo, que os juristas de mérito que o integram não ultrapassem a quota de 20%. Com idade mínima de 55 anos. Isto porque, atualmente, os juizes de carreira só chegam a juízes-conselheiros do STJ ao fim de 30 ou mais anos, enquanto os juristas de mérito podem engrossar as fileiras daquele tribunal superior em idade bastante mais jovem, permanecendo muito mais tempo em funções até se jubilarem. A ASJP reúne-se no dia 16 deste mês com a ministra da Justiça.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 09-06-2017
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