Entrevista a António Jaime Martins, Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados: Nos tribunais tributários, "o Estado age de má-fé". Para António Jaime Martins, a forma de funcionamento da máquina fiscal e dos tribunais tributários "gera custos para a economia perfeitamente absurdos".
No início de um segundo mandato de três anos à frente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, António Jaime Martins aponta ao Negócios algumas das suas prioridades e fala dos problemas que afectam o sistema de Justiça. Crítico quanto ao funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais, diz que "o Estado age de má- -fé", nestas instâncias, quando não lhes proporciona os meios humanos necessários e quando, a nível tributário, "a máquina fiscal tritura os cidadãos e as empresas".
Nos relatórios internacionais sobre Portugal surgem sempre referências negativas ao sistema de Justiça, e em particular à chamada justiça económica. São críticas justas?
Quando exigimos celeridade, é correcto que o façamos. Aquilo que não é correcto é exigir só celeridade, sacrificando a qualidade na Justiça.
A que níveis é sacrificada a qualidade na Justiça?
Por exemplo, no caso das execuções [cobrança de dívidas] .As estatísticas foram aliviadas, baixaram-se os custos da Justiça, mas os cidadãos e as empresas pagaram por isso.
O que está a bloquear o processo executivo?
Primeiro, a absoluta carência de magistrados na fase executiva dos processos. O Estado tem ao longo dos tempos tentado passar para os agentes de execução tudo aquilo que consegue, mas a verdade é que há fases do processo que são absolutamente jurisdicionais, pelo que tem de ser um juiz a decidir. Neste momento, as execuções são aos milhares e não existem juízes em número suficiente para decidir todas as questões que dependem deles. Mas há outros problemas, nomeadamente ao nível das vendas dos bens no âmbito das execuções.
Passaram para a tutela da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução.
A Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução conseguiu convencer o Ministério da Justiça de que criaria uma plataforma onde se desenvolveria de forma muito rápida a venda dos bens no âmbito das execuções.
Não é isso que está a suceder?
O que está a acontecer, tudo indica, é que a plataforma não terá capacidade para dar resposta efectiva às solicitações dos seus agentes de execução. Muitos deles têm-nos transmitido que pretendem colocar o imóvel para venda, mas não conseguem, porque a plataforma recusa essa venda pelo facto de não terem fotografias do interior do imóvel. Isto vai fazer com que as execuções parem e os juizes sejam inundados de requerimentos de agentes de execução a pedirem que a venda seja feita outra vez por processo controlado pelo tribunal.
Há também críticas ao funcionamento da justiça administrativa e fiscal. O que é que funciona mal neste âmbito?
Na justiça administrativa, onde normalmente as entidades públicas são réus, continuam a existir processos que se arrastam anos e anos, alguns por uma década e só em primeira instância.
Porque é que isso sucede?
Nestes processos o Estado é réu e não lhe dá jeito ser condenado rapidamente. Portanto, tem alimentado, mais uma vez, também nessa instância, a falta de recursos humanos, que tem de ser suprida de uma vez por todas.
Nos tribunais tributários o problema é o mesmo?
Os tribunais tributários são outro problema que nós temos, onde a máquina fiscal tritura os cidadãos e as empresas. Faz liquidações oficiosas de impostos e, depois, o cidadão ou empresa que queira contestar, tem de caucionar esses montantes para os poderem discutir. Há uma total desigualdade de armas.
Refere-se a que tipo de casos?
Há situações de empresas que foram declaradas insolventes por dívidas às finanças que depois se verificou não existiam ou não eram do montante que estava em causa. O funcionamento da instância tributária provoca dano efectivo no tecido empresarial português e gera custos para a economia perfeitamente absurdos.
O Estado age de má-fé?
O Estado está claramente a agir de má-fé. A inexistência de recursos humanos nos tribunais administrativos e fiscais depende só do Estado e o Estado tem, durante todos estes anos, propositadamente procurado não conferir a esses tribunais os recursos necessários para tramitar esses processos em prazos razoáveis.
O anunciado reforço de juizes na instância tributária pode ajudar?
Claro que pode, mas espero poder fazer o balanço daqui a uns tempos, para ver como serão recuperados os atrasos nos processos pendentes. Podemos ter um número de juizes suficientes para a frente, mas temos de lembrarnos que há uma herança pesada que tem de ser resolvida.
António Jaime Martins aposta em manter uma boa relação institucional com o novo bastonário, Guilherme Figueiredo, e secunda-o na defesa de uma redução das custas judiciais, que considera "muito elevadas".
Que tipo de relação institucional espera ter com o novo bastonário?
A relação que tenho com qualquer bastonário da Ordem dos Advogados tem de ser uma boa relação. Entendo que tem de ser essa a forma de estar do presidente do maior conselho regional do país. Isso não significa que tenhamos sempre opções simpáticas, quer para fora da Ordem quer para dentro da Ordem. Aliás, durante o mandato anterior, foi necessário denunciar situações que não nos pareciam bem.
Que situações?
Lembro-me da questão do novo estatuto e de uma organização judiciária que se queria importar para dentro da Ordem, pondo fim às actuais delegações e aos conselhos regionais. Opusemo-nos também à questão da multidisciplinaridade nas sociedades de advogados, que era uma questão que internamente suscitava algum debate. Tomámos posições internas e externas nem sempre simpáticas.
Opôs-se ao encerramento de tribunais. Há contudo quem critique a reabertura recente de alguns juízos, considerando que são meros balcões. Concorda?
Essas críticas têm alguma razão de ser, pelo simples facto de não haver magistrados adstritos localmente nesses juízos de proximidade. Agora, espero que aí se façam julgamentos. Foi para isso que eles abriram. Os julgamentos são marcados a três meses. Se começaram a ser marcadosemJaneiro,as diligências só começam em Abril. Por enquanto é natural que não haja diligências feitas nos juízos de proximidade. O que não será normal é que no final deste semestre não haja nenhuma.
Defende a baixa das custas judiciais?
As custas judiciais são muito elevadas, têm de ser revistas. Por outro lado, vimos algumas notícias publicadas, quando a Ordem começou a falar na necessidade de reduzir as custas judiciais, sobre o facto de os honorários dos advogados em sede do sistema de acesso ao direito e à justiça levarem cerca de 85% das receitas das taxas de justiça. Como quem diz: "Alto lá, não talem muito, porque se não nós vamos reduzir ou retardar ainda mais os pagamentos dos honorários aos advogados no sistema de acesso ao direito."
Há esse propósito?
A partir do momento em que há essa chamada de atenção... O Ministério da Justiça esquece-se, amiúde, do seguinte: nós, advogados, suportamos através das quotas, milhares de euros por ano para garanti r o funcionamento das plataformas de acesso direito. Só no Conselho Regional de Lisboa, a despesa com essa plataforma custa cerca de 500 mil euros por ano. E há um outro grande problema Dentro da mesma comarca, os advogados que patrocinam o acesso ao direito não recebem as deslocações. Esse sim é um aspecto da tabela que vai ter de ser repensado.
João Maltez | Jornal de Negócios | 23-02-2017
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