Entre 2013 e 2015, pedidos de ações de interdição aumentaram 35%. Demências, deficiências mentais e esquizofrenia explicam maioria dos processos.
São sobretudo idosos. Portadores de demências, deficiências mentais e psicoses como a esquizofrenia. Muitos sem qualquer parente que se conheça. Interditos pela justiça. Declarados incapazes de se governarem e de tomarem conta dos seus bens. Os pedidos não param de aumentar e os peritos de saúde estão sobrecarregados.
De acordo com os dados disponibilizados ao IN pelo Ministério da Justiça, entre 2013 e 2015 registou-se um acréscimo de 35% no número de processos de interdição que deram entrada nos tribunais judiciais de 1.’ instância, para um total de 3319. Também em 2015, cerca de 80% dos processos findos tiveram provimento, em linha com os anos anteriores. Desse total, 2,7% não tiveram provimento, 1,4% foram liminarmente indeferidos e 17% extintos por “inutilidade/impossibilidade da lide”.
A quase totalidade das ações entra nos tribunais pelas mãos do Ministério Público (MP), até porque por esta via não têm custos.
Assim o explica o procurador António Ventinhas, que destaca, neste acréscimo processual, o facto de haver “uma maior sensibilidade por parte das famílias, que mesmo sem instrução já têm a noção de que podem pedir a interdição e gerir os bens”.
Os pedidos, adianta o também presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, chegam ainda por via de instituições que acolhem aquelas pessoas e das próprias conservatórias do registo civil. “Quando vão tirar o bilhete de identidade, vêem que não estão em condições e comunicam ao MP”, frisa o procurador.
Pedidos da Segurança Social
O psiquiatra Victor Cunha conhece a engrenagem melhor do que ninguém. Nos últimos quatro anos, foram mil as perícias que fez para o Hospital de Magalhães Lemos, no Porto, onde é responsável pela Unidade de Psiquiatria Forense.
Quando nos recebeu, perto das 14 horas, já tinha feito dois exames ao domicílio, dos 44 agendados para este mês. Confirma o “boom” e justifica-o, também, com os processos abertos pela Segurança Social que, “ao aperceber-se de que a pessoa não é capaz, precisa de saber como é que aquela vai pagar o lar e quem se vai responsabilizar”.
Enquanto médico, Victor Cunha tem 30 residentes, dos quais 27 estão interditos ou com processos de interdição. Os restantes estão inabilitados ou prestes a sê-lo.
No Magalhães Lemos, frisa, dos cerca de 100 residentes, “metade estão interditos e a outra está quase toda a caminho”. Mais de metade têm familiares como tutores, mas o presidente do Conselho de Administração, António Leuschner, tem também vários sob a sua tutela.
Faltam peritos
A tutoria nem sempre é fácil. “Tenho uma pessoa a quem não sei o que hei de fazer. Não tem ninguém. O presidente da instituição onde está não assume, a Segurança Social também não, ainda por cima é estrangeiro”, desabafa António Ventinhas. Situações “pontuais”, garante, “mas que são um grande problema”.
A falta de peritos médicos, adianta ainda aquele procurador em Silves, constitui também um forte entrave ao andamento dos processos. “Solicita-se um exame médico e às vezes estamos mais de um ano à espera. A maior do atraso dos processos prende-se com os relatórios periciais”, conclui António Ventinhas. O psiquiatra Victor Cunha reconhece que existe uma “sobrecarga” e admite mesmo “que a situação é capaz de não melhorar”. •
O que diz a lei
Quem pode ser interdito?
Todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar a sua pessoa e os seus bens. As interdições são aplicáveis a maiores, mas podem ser requeridas e decretadas dentro do ano anterior à maioridade.
Quem pode requerer a interdição?
0 cônjuge do interditando, o tutor ou o curador deste, por parente sucessível ou pelo Ministério Público.
O interdito é equiparado ao menor, sendo-lhe aplicáveis as disposições que regulam a incapacidade por menoridade e fixam os meios de suprir o poder paternal.
Santa Casa Instituição regista aumento de casos Misericórdia de Lisboa tutela 90 interditos
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tem cerca de 90 interditos sobre a sua tutela, uma situação que está prevista nos seus estatutos, revelou ao JN fonte da assessoria de Imprensa. A entidade liderada por Pedro Santana Lopes confirma um acréscimo dos casos. “Considerando o aumento da esperança média de vida e associado a este o surgimento de doenças incapacitantes, tem-se constatado um aumento do número de interditos”. Também a presidente da Associação Sindical dos Juizes encontra na maior longevidade uma explicação para o acréscimo de ações.
“As pessoas vivem cada vez mais, cada vez mais ouvimos falar de pessoas idosas que sofrem de demências, o que cria a necessidade de quem trata delas resolver assuntos, por exemplo, relativos a dinheiros e a bens”, diz Manuela Paupério. Refira-se, ainda, que a SCML “exerce a tutela de adultos incapazes para a gestão da sua pessoa e bens, designadamente pessoas idosas em situação de incapacidade e (principalmente) pessoas com deficiência mental, integradas nas suas estruturas residenciais especializadas”. No que às tutorias diz respeito, aquela instituição esclarece que as mesmas são exercidas “mediante decisão judicial, pelos diretores dos estabelecimentos onde os mesmos estão integrados”. Frisam, por último, que nenhum é remunerado para o efeito. Isto porque a lei prevê que o tutor tenha direito a remuneração, que não pode exceder a décima parte dos rendimentos líquidos dos bens do interdito, joanaamorim
Tentativas de ações ilegítimas são residuais
“Em mil perícias, tenho uma mão cheia” de filhos que tentaram, ilegitimamente, tomar conta do património dos pais. Assim o diz o responsável da Unidade de Psiquiatria Forense do Hospital de Magalhães Lemos. “É menos do que seria de esperar”, garante Victor Cunha.
“Os velhinhos têm predadores cuja especialização é esbulhar. Devem ter quem os proteja”, nomeadamente os filhos, alerta o psiquiatra do Hospital de Magalhães Lemos. Mas, também, e ainda que em número residual, protege los “dos próprios filhos.
Mas por que razão seria de esperar que houvesse mais casos de abuso familiar? É uma questão de “natureza humana, da necessidade patológica de controlo”. E tudo quase se resume ao controlo. É que, ao contrário do que se possa pensar, o tutor não pode dispor como bem entender dos bens da pessoa declarada incapaz. Não pode, por exemplo, dispor a título gratuito dos bens do interdito ou celebrar em nome do interdito contratos que o obriguem a praticar certos atos. E só pode vender ou onerar bens ou garantir ou assumir dívidas alheias com autorização prévia do tribunal.
Pelo procurador António Ventinhas também já passaram tentativas de sacar património. Residuais, corrobora. E mais do que de filhos, de sobrinhos, que não são herdeiros diretos. “Sobrinhos que sabem que está ou vai ser feito um testamento e às vezes tentam interditar”, explica, joana amorim
Lei limita área de atuação dos cuidadores
Um só homem é tutor de 80 utentes - O administrador-delegado do Centro de Apoio a Deficientes loão Paulo II e da Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI, ambos em Fátima e tutelados pela União das Misericórdias Portuguesas, é tutor de mais de 80 utentes, que não têm progenitores ou que foram abandonados pela família e a quem o tribunal declarou a interdição. “É uma responsabilidade acrescida, porque, pela minha forma de estar na vida, além de querer proporcionar-lhe o melhor acolhimento nas instituições, acabo por ser também a sua família”, diz Joaquim Guardado.
Sendo a interdição declarada com base na incapacidade de um cidadão poder governar a sua pessoa, o maior número de casos em que o administrador foi chamado a assumir a tutoria aconte ce no Centro de Apoio a Deficientes, onde, em 192 utentes, Joaquim Guardado é responsável por “cerca de 80”. A generalidade destes casos resultam de “problemas sociais graves, onde não existe uma família, ou, se existe, está afastada”. Ou seja, a tutoria dá o direito e a responsabilidade ao tutor de gerir os bens da pessoa a quem foi declarada a interdição.
Mas nestes casos “trata-se de gente muito pobre, que pouco ou nada tem, pelo que a função acaba por ser mais a de defender os seus direitos”, adianta o responsável.
Já na Unidade de Cuidados Continuados, um estabelecimento pioneiro no apoio a doentes com alzheimer, os casos para que Joaquim Guardado foi chamado a ser tutor resumem-se “a três ou quatro, porque a maioria dos utentes tem a família na retaguarda”. Mais uma vez, trata-se de situações sociais em que as pessoas estavam hospitalizadas, foram abandonadas pela família e encaminhadas para a instituição de Fátima.
Com longa experiência na área do apoio social, o administrador – -delegado reconhece que mais tarde ou mais cedo a lei que estabelece as regras da interdição tem que ser alterada. “A realidade de hoje é muito diferente e há que ter em conta o número crescente de demências, uma tendência, que ao que tudo indica, se vai manter nos próximos anos”. Além disso, “não se pode ignorar a quantidade de idosos que estão sem poder gerir os seus bens”, devido a problemas de saúde mental, concluiu Joaquim Guardado, franciscopedro
Quem pode ser nomeado tutor?
O cônjuge,- a pessoa designada pelos pais em testamento; qualquer dos pais do interdito; os filhos maiores, preferindo o mais velho.
Quando não se mostra possível que a tutela possa ser exercida qualquer destas pessoas, cabe ao tribunal nomear o tutor.
O tutor pode dispor dos bens do interdito?
Não. Existem atos que não pode praticar e, se o fizer, serão considerados nulos, como seja dispor a título gratuito dos bens do interdito. Outros atos só poderá praticálos se obtiver a prévia autorização do tribunal, como por exemplo vender ou onerar bens.
261 ações de inabilitação
As inabilitações estão em crescendo: foram 261, em 2015 (mais 10%). A inabilitação traduz-se na incapacidade de uma pessoa de reger o seu património. Por exemplo, pessoas que habitualmente abusem de prodigalidade.
Joana Amorim | Jornal de Notícias | 07-01-2017
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