Há mesmo menos crimes no nosso país ou as vítimas não se queixam às polícias? Observatório defende a realização de inquéritos de vitimação para detetar crimes não participados que ficam fora de relatórios.
Desde 2009 que os relatórios anuais de segurança interna registam uma tendência de descida da criminalidade, mas esse foi também o ano em que se realizou em Portugal, por iniciativa do governo, o último inquérito de vitimação, um dos principais instrumentos de validação externa das estatísticas oficiais das forças e serviços de segurança, que procura identificar as cifras negras, ou seja, os crimes não participados às autoridades.
Desde há nove anos, portanto, que não há forma de saber a verdadeira realidade da criminalidade do país, através de uma validação exterior à das polícias. O que se sabe é que nem sempre as forças de segurança têm registado todas as queixas, o que levou a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), em 2015, a decidir difundir uma recomendação para que as polícias aceitassem sempre as denúncias que lhes chegavam.
O estudo de 2009, coordenado pelo investigador do ISCTE Paulo Pereira de Almeida, deu algumas pistas sobre o que poderia não estar a ser revelado pelos dados oficiais: um conjunto de crimes em que a maioria das vítimas admitia não os ter participado às autoridades. Quatro deles fazem parte das 10 categorias mais participadas (extorsão, furto por carteirista, ofensas corporais e roubos). A sua denúncia às autoridades teria tido peso no valor global da criminalidade.
"Os inquéritos de vitimação são um instrumento fundamental para a proatividade das forças e serviços de segurança e para a ação governativa", sublinha Paulo Pereira de Almeida. Recorda que aquele estudo permitiu obter uma "informação muito detalhada acerca dessas políticas públicas, das perceções subjetivas e das avaliações objetivas dos portugueses acerca do crime, vitimação e políticas públicas de segurança".
Idêntica opinião tem o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT): "não conseguimos aferir a realidade criminal se não houver estudos de vitimação e cruzamento de dados com outras amostragens, como o INE ou as participações às seguradoras. Os inquéritos de vitimação são fundamentais para aferir o grau de fiabilidade dos números de crimes participados e para a confiança nas políticas públicas de segurança", assinala António Nunes. Revela que o OSCOT "já levou esta questão à Sra. Ministra" e que é intenção deste organismo fazer um estudo que avalie o sentimento de segurança e insegurança dos cidadãos. "As políticas de segurança não podem basear-se apenas nos crimes participados. Têm que se procurar as vítimas. E não podem ser imediatistas. Têm que ser pensadas a longo prazo para definir a formação específica dos polícias", afirma.
O ministério da Administração Interna admite vir a utilizar estes estudos na avaliação dos Contratos Locais de Segurança, embora saliente que se trata "apenas de um instrumento meramente complementar para a compreensão de certo tipo de criminalidade e do sucesso das políticas de prevenção criminal". Para o MAI estes inquéritos constituem "um dos vários instrumento da Criminologia para tentar perceber as cifras negras, bem como para avaliar a sensação de insegurança, estratégias ao nível da política criminal ou da intervenção das polícias". Porém, assevera o gabinete de Constança Urbano de Sousa, "carece de qualquer rigor científico encará-los como instrumento essencial para validar a criminalidade participada".
A IGAI, por seu lado, está convicta que a recomendação que fez em 2015 tem produzido efeitos. O número de queixas de recusas é agora "pouco expressivo - seis em 2016".
Valentina Marcelino | Diário de Notícias | 17-04-2017
Comentários (1)
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Nesta coisa da justiça, das leis, do judiciário e tal... há muita (demasiada) gente que vive (e vive bem) criando os problemas que depois vai «estudar» e nesse âmbito diagnosticar outros que precisam ser monitorizados, os quais demonstrarão que há aspetos nunca antes considerados e que necessitam de um equipa especializada para os «trabalhar».... São sociólogos e psicólogos às pazadas. Especialistas em generalidades, que se não atrapalham nem envergonham por dizer hoje o contrário de ontem e amanhã dizer que a certeza de hoje era afinal um erro demonstrado pelos últimos avanços da «ciência» (ou será charlatanice?).
O CES, por exemplo, só vive disto. Assessora o Ministério da Justiça há décadas. São da sua lavra várias leis «absolutamente necessárias», das quais meia dúzia de anos depois estão a dizer mal, atirando com as culpas para terceiros (sempre os mesmos).
Já cansa.
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