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REVISTA DE 2017

Cadeias têm apenas 30 psicólogos para 14 mil presos

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Ex-preso conta como o apoio psicológico o ajudou a deixar de ser violento. Há 548 horas semanais de apoio distribuídas por 49 cadeia.

NF, hoje com 47 anos, assume que quando esteve preso na cadeia de alta segurança de Monsanto tinha a sua faceta de violência elevada ao máximo. "Quebrava todas as regras, provocava os guardas, entrei num processo de autodestruição. Só o apoio psicológico que tive em Monsanto impediu o pior: a psicóloga arranjou-me trabalho na cadeia e ajudou a alterar o meu comportamento."

Mudança que é um exemplo mas que é difícil de conseguir: há apenas 30 psicólogos para quase 14 mil reclusos no país, como confirmou a Ordem dos Psicólogos ao DN.

Monsanto, onde NF cumpriu pena por roubos, é um dos 49 estabelecimentos prisionais onde o apoio psicológico prestado aos reclusos é insuficiente. Naquela que é única cadeia de alta segurança do país estão contratadas pela Direção-Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais (DGRSP) 30 horas semanais de apoio psicológico para 60 reclusos. NF, que desde os 27 anos andou a entrar e sair de prisões, foi transferido de Vale de Judeus para Monsanto e garante: "Em todas as cadeias onde estive pedi sempre apoio psicológico."

Exemplo pior do que o de Monsanto, no que diz respeito às poucas horas de consultas de psicologia, é o do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), uma cadeia sobrelotada onde estão contrarualizadas 50 horas semanais para cerca de 1200 reclusos.

Os psicólogos são contratados em regime de prestação de serviços através de duas empresas e ganham seis euros à hora (um médico no sistema prisional recebe 30 euros por hora, por exemplo, referiu a Ordem dos Psicólogos). São asseguradas 548 horas semanais, o que dá uma média de 11 horas por semana para cada uma das 49 cadeias.

Desde o início de 2015, 18 estabelecimentos prisionais ficaram sem apoio psicológico em permanência: Angra do Heroísmo (ilha Terceira), Bragança, Cadeia de Apoio da Horta (ilha do Faial), Chaves, EP PJ do Porto, Évora, Faro, Funchal, Guimarães, Lamego, Odemira, Olhão, Ponta Delgada (ilha de São Miguel), Silves, Tires, Viana do Castelo e Viseu. Nestas cadeias, quando esse apoio é necessário, é solicitado um psicólogo ou os presos são levados a consultas de psicologia nos hospitais.

Ana Conduto, psicóloga, desempenhou funções na cadeia de Monsanto de 2009 a 2015. "Cumpria seis horas, de segunda a sexta-feira, a ganhar seis euros por hora, a recibos verdes. Ganhava mais num part-time que tinha num consultório privado. Só desisti por razões financeiras, porque sei que obtive resultados na alteração do comportamento dos reclusos a nível disciplinar." Ana Conduto alerta para o facto de "haver muitas doenças mentais por diagnosticar na população prisional" e para o efeito que isso tem a nível de suicídios e de crimes cometidos nas cadeias.

O Ministério da Justiça (MJ) referiu ao DN que a DGRSP aguarda apenas o envio de um protocolo por parte da Ordem dos Psicólogos para melhorar esta situação (ver entrevista). Já a DGRSP lembrou que os presos dispõem ainda do Serviço Nacional de Saúde e também dos técnicos de reinserção social com formação académica em Psicologia.

ESTUDO: Investir em saúde mental compensa
> Um estudo norte-americano, divulgado em novembro, demonstrou que a melhor solução para reduzir a população prisional é investir mais na saúde mental pública. Sai caro ter uma taxa alta de encarceramento: cada preso custa 60 dólares/dia (56 euros) nos EUA, em Portugal o custo médio é de 40 euros. "Investe-se mais na psiquiatria e na medicação em vez de na psicologia" critica lorge Alves, presidente do Sindicato dos Guardas Prisionais, lembrando que os suicídios de presos podiam ser evitados se houvesse mais apoio.

"Não há condições para ajudar os reclusos"

A Ordem dos Psicólogos vai assinar em breve um protocolo com o Ministério da Justiça para resolver ou melhorar a falta de psicólogos nos estabelecimentos prisionais. Como pode este protocolo resolver a precariedade destes profissionais?
Como o que existe atualmente é trabalho precário nas cadeias e sem condições, defendemos que venha a ser aberto um concurso público para admitir mais psicólogos nas prisões. Isto implicaria contratação efetiva e não prestação de recibos verdes através das duas empresas do setor. Atualmente, com uma média que não chega a 20 horas de apoio psicológico por semana, não estão assegurados os mínimos para ajudar os presos a mudar de comportamento.

O Ministério da Justiça e a DGRSP lembram que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pode ser usado como complemento, tal como os técnicos de reinserção social licenciados em Psicologia. Concorda com estas alternativas?
De maneira nenhuma. O SNS não tem capacidade de resposta suficiente, com os psicólogos que tem, para responder às necessidades dos reclusos. Temos um compromisso para ainda em janeiro lançar um concurso para mais 55 psicólogos no SNS, nos cuidados de saúde primários, mas não são esses que irão resolver o problema das cadeias. E também não se resolve chamando os técnicos de reeducação para fazer o trabalho pontualmente.

Há 18 cadeias que não têm psicólogo desde 2015, algumas delas nas ilhas. Esses presos não têm qualquer apoio?
Têm, mas mal. Ou recorrem a psicólogos de outras cadeias ou a técnicos de reinserção social.

Nota disponibilidade da ministra da Justiça para resolver o problema?
Tomei posse há apenas 15 dias, mas essa disponibilidade foi notória com o bastonário anterior, que acordou o protocolo. Há abertura para discutir e resolver a situação.

Rute Coelho | Diário de Noticias | 24-01-2017

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