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REVISTA DE 2017

Blogger do NYT que previu a crise vai processar o Estado

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Ministério Público recorreu de arquivamento mas Relação confirma: Peter Boone não manipulou dívida. Professor de Harvard acusa MP e CMVM de investigação "negligente e incompetente".

A decisão é final e clara: Peter Boone é inocente. Dois anos depois da acusação do Ministério Público (MP) por manipulação de mercado e mais de sete passados sobre a investigação da CMVM por suspeitas de conspiração criminosa para influenciar o preço da dívida portuguesa, o Tribunal da Relação dá razão ao blogger do New York Times. A sentença transitou em julgado há cinco dias e confirma a decisão de arquivamento da juíza de Instrução, em outubro, de que o MP recorrera.

A Relação concluiu que o artigo que deu origem ao caso, em que o economista previa que Portugal teria de pedir ajuda, era "exato e não parcial ou exagerado", dando como certo não haver "indícios de qualquer conspiração para reduzir o valor da dívida portuguesa" e considerando que o autor reportou "de forma correta e completa os seus interesses e afiliações, de acordo com as boas práticas internacionais". E afirma que os termos da acusação violaram os direitos de Boone, de acordo com o artigo 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 5.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Agora é Peter Boone que vai entrar com uma ação contra o Estado, por "investigação grosseiramente incompetente e negligente" da CMVM e do MP. O professor de Harvard está ainda a ponderar avançar judicialmente contra os autores de dois relatórios da CMVM que diz terem omitido informação que provava a sua inocência e integridade, "ao mesmo tempo que fabricavam falsas acusações de conspirações, que foram refletidas na acusação".

"Aliviado e feliz" por o processo - uma "caça às bruxas" com origem numa "declaração pública do antigo ministro das Finanças" - ter chegado ao fim, o economista critica a postura de reguladores e procuradores que usam "instituições do Estado para fabricar casos contra os críticos, em vez de se focarem em prevenir o custo das crises financeiras que emergem sob os seus olhos".

O caso teve origem num artigo publicado a 15 de abril de 2010, coassinado por Boone e pelo antigo economista-chefe do FMI Simon Johnson (que não foi acusado) no blog do NYT, Economix. Nele, previam que Portugal, com uma dívida que se encaminhava para os 108% do PIB em 2012 (na verdade, atingiu os 126,2% nesta altura) e sem pensar nos cortes que precisava de fazer, caminhava rapidamente para a crise e o inevitável pedido de resgate, à semelhança do que acontecera na Grécia. Afirmações que o governo descartou, com o então ministro Teixeira dos Santos a dizer que eram "disparates sem fundamentação sólida, reveladores de ignorância" e levando o ex-Presidente, Cavaco Silva, a negar que a situação do país pudesse comparar-se com a da Grécia, a da Islândia ou a da Irlanda.

Teixeira dos Santos "sentiu-se ofendido por eu ter questionado algumas das más decisões económicas que ele e os seus pares estavam a prosseguir", diz Peter Boone, que cinco dias após sair o artigo via a CMVM abrir-lhe uma investigação por suspeitas de tentativa de manipulação do preço das obrigações. No primeiro relatório - publicado a 7 de abril de 2011, um dia depois de se confirmar o pior, com o então primeiro-ministro José Sócrates a pedir assistência - concluía-se que o artigo fora exagerado e parcial e que Boone conspirara com clientes da Salute Capital Management (sociedade de aconselhamento financeiro da qual era administrador) para beneficiar da sua exposição potencial à dívida portuguesa. O segundo relatório da CMVM, já em 2012, acusava-o de tentar manipular o mercado, por não fazer uma declaração de interesses sobre os clientes da Salute, e deixar implícito que o governo era uma organização criminosa.

Os relatórios dão origem à investigação criminal e em outubro de 2015 Boone é acusado pelo MP, no processo de manipulação de mercado que agora chega ao fim, com a Relação a inocentar o economista de todas as suspeitas.

Joana Petiz | Diário de Notícias | 17-07-2017

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