Cegueira

Pedro Mourão - O legislador desconheceu que a criminalidade não utiliza assinaturas, mas sim os chamados ‘pré-comprados’ sem qualquer identificação. Não se compreende que a imposição legal em conservar os dados se reporte a todo e qualquer cidadão que tenha uma assinatura ou seja utilizador registado numa operadora.

O Tribunal de Justiça da UE entendeu em dois acórdãos pela desproporcionalidade da legislação em vigor no que respeita ao período de um ano na conservação indiscriminada de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas - telefónica, email ou acesso à internet.

A diretiva é uma exceção à privacidade das comunicações eletrónicas, limitando-se a lei nacional a transpô-la para a ordem jurídica interna. Pretende a diretiva que tal se destine à deteção, investigação e repressão de crimes graves, permitindo identificar o assinante ou o utilizador registado.

O legislador desconheceu que a criminalidade não utiliza assinaturas, mas sim os chamados ‘pré-comprados’ sem qualquer identificação. Não se compreende que a imposição legal em conservar os dados se reporte a todo e qualquer cidadão que tenha uma assinatura ou seja utilizador registado numa operadora, independente de ser ou não suspeito da prática de crime grave. Acaba-se por tratar de forma cega os dados a conservar.

A norma é desproporcional ao objetivo pretendido, com evidentes consequências, para além de não cumprir com a finalidade a que se propõe, vícios que contagiam a norma nacional. Não é aceitável que seja possível guardar os dados pessoais de todo o cidadão indiscriminadamente.

Pedro Mourão | Correio da Manhã | 04-03-2017