João Paulo Raposo - Quando se fala em separação entre o político e o judicial, o tal sistema de checks and balances, nunca podemos esquecer que há diversas permeabilidades entre ambos. Não falo das ilícitas ou escondidas. Falo daquelas que estão expressamente previstas e são perfeitamente legais. É para essas que quero olhar agora, a propósito de duas situações destes dias.
A primeira é a demissão do Director do FBI pelo presidente dos Estados Unidos. De acordo com as notícias, a um pedido presidencial de "lealdade", perante uma resposta de apenas "assegurar a competência" seguiu-se uma ordem de demissão. Isto é feito num quadro em que correrão investigações à relação existente entre o então candidato Donald Trump e a Rússia. O que resulta é uma imagem clara de afastamento de um alto responsável judiciário por simples razões de incomodidade política ou, no limite, pura e simples auto-protecção.
Diga-se que o lugar de Director do FBI é de confiança política. Mas diga-se também que, enquanto democracia consolidada, a tradição americana é a de deixar ao judiciário o que é do judiciário. Sem intromissões. Esta decisão, e o contexto em que surge, parece completamente arredada dessa tradição e, nessa medida, acaba por ser especialmente significativa.
Atravessando o Atlântico, lembremo-nos agora de todo aquele (vasto e desinteressado) coro que, afinadamente, repete a canção da necessidade de integrar o Ministério Público no executivo. E de todos os supostos "ganhos" que daí resultariam. Dos problemas que decorrem da autonomia e da falta de coordenação com as polícias. E por aí fora. Isto num país, que é o nosso, em que a cultura democrática tem muito para andar e existe uma arreigada tradição de amiguismo paroquial. É claro que a generalidade destas opiniões o que pretendem não é nenhuma melhoria do sistema. É, simplesmente, encontrar formas de se assegurar, ou aos seus apaniguados, que não terão "problemas" com a justiça.
A segunda situação destes dias já é completamente portuguesa: a indicação de Ricardo Rodrigues para vogal do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. É uma nomeação política pouco compreensível.
Trata-se de um actual autarca que, num passado não muito distante, se viu envolvido num processo judicial por subtrair gravadores a jornalistas que o entrevistavam. Poderia dizer-se, como se diz para qualquer pessoa, que a circunstância de ter sido judicialmente condenado não pode constituir uma marca de falta de idoneidade para todo o sempre. Como não se pode dizer, em absoluto, que o facto de ter responsabilidades na administração autárquica exclui a possibilidade de ser nomeado para um órgão de gestão dos tribunais administrativos que, por sua natureza e função, poderão ter que apreciar decisões do órgão autárquico que integra. Todavia, quer uma quer outra circunstância aconselhariam a uma devida ponderação, que não se vê que tenha sido feita.
É que aquelas circunstâncias não são, certamente, elementos que deponham a favor de uma indicação política do tipo da que foi feita. Mas poderiam ser contraditadas por outros elementos, mais fortes, que depusessem a favor da nomeação. O problema é que não se vê nenhum. Pode ser que se trate de uma pessoa especialmente habilitada nas matérias de gestão do judiciário; ou particularmente conhecedora da área administrativa e fiscal; ou que tenha demonstrado especial competência na área da organização dos tribunais. Pode ser que seja. Mas se é, ninguém o sabe.
Sendo assim, é claramente injustificada a nomeação. Para os optimistas será meramente uma falha na comunicação. Para os outros, um claro erro de casting.
E todas as nomeações políticas para a justiça deveriam ser completamente inquestionáveis…
João Paulo Raposo | Opinião Sábado | 16-05-2017