João Paulo Raposo - Fazer outras contas nunca dá jeito. Nunca são oportunas. Ou porque está cá a troika. Ou porque acabou de sair e pode voltar. Ou porque está tudo a correr bem. Ou porque está tudo a correr mal. Ou porque há eleições. Ou por qualquer outra razão, quiçá astrológica ou metafísica.
Foi notícia da semana, aquando da divulgação da execução orçamental do 1º semestre, a informação de um recuo do défice público de 1.153 milhões de euros face a 2016 o que, de acordo com nota emitida pelo Ministério das Finanças, "permite antecipar o cumprimento dos objectivos orçamentais de 2017". Boas notícias, aparentemente, na área financeira do Estado.
Como sempre, estas divulgações de dados são acompanhadas das mais variadas análises económicas, ou pseudo-económicas. Deixemos as político-partidárias, que aqui não cabem. Olhemos para o que dizem economistas. Ou comentadores económicos. Ou, simplesmente, cidadãos auto-intitulados intérpretes de economês-financês. É uma visão interessante e exemplificativa.
De apreciações esparsas sobre o assunto que repescamos, além de se avaliar positivamente o resultado, aqui e ali deixando uma nota de preocupação sobre o caráter mais conjuntural ou mais estrutural do mesmo, segue-se quase inevitavelmente uma afirmação de cuidado, quando não de pessimismo, face às previsões de resultados para o 2º semestre. Além de algumas despesas já previstas, ou diminuição de receitas face ao homólogo 2016 – não haverá plano especial de recuperação de dívidas fiscais – a preocupação essencial, afirmada, é o aumento da pressão sobre as finanças face ao aumento da contestação social. E já estão previstas greves destes e daqueles. E os juízes já anunciaram uma greve. E por aí fora…
No subtexto está sempre uma afirmação de serem as Finanças o defensor legítimo do interesse público face a avanços despesistas e corporativos, quase que um elo mais fraco de uma poderosa cadeia de lobbying. Este tipo de análise, que tem precisamente o mesmo tipo de origem e matriz que o que conduziu à crise e acompanhou todos os processos de resgate, pode definir-se numa palavra: - Estúpida. Ou em duas: - Muito estúpida.
É estúpida, desde logo, porque se se está a falar de greves feitas no último quadrimestre do ano e afirma-se que o risco financeiro é para o orçamento desse mesmo ano. Só por absoluta ignorância se pode pensar que isso possa ser assim. Mesmo que as reivindicações que fundamentem alguma greve possam ter impacto na despesa pública de um sector, e muitas vezes, obviamente, tê-lo-ão, isso só ocorreria em orçamentos futuros e nunca nesse. Nem o mais optimista dos sindicalistas espera fazer uma greve em setembro e conseguir um aumento no vencimento de outubro…
Muito mais importante que esse erro de perspectiva está o problema de fundo. Aí é que está a verdadeira e substantiva estupidez.
Os analistas económicos tornaram-se uma espécie de oráculo que pretende guiar-nos pelas brumas do futuro. Se fossem só uns explicadores da realidade não seria mau. Se fossem adjuvantes nas tomadas de decisão colectivas também não seria pior. O problema é que pretendem guiar-nos, e muitas vezes guiam-nos mesmo, em direção ao desconhecido. Ao contrário do que pensam os próprios, esses oráculos vêm tanto e tão pouco como qualquer outra pessoa, pelo menos de entre as informadas. Às vezes acertam e às vezes falham. Mas andamos todos a seguir o que dizem e, à custa disso, a dar sucessivas cabeçadas na parede.
A verdadeira questão para estes oráculos é que, ao falarem de greve dos juízes como algo com impacto financeiro, estão a chamar a atenção para um problema bem diverso daquele para que apontam. Esse problema é a falta de ponderação, diria mesmo de visão, do que é a justiça e do que são as funções do Estado.
Há uns tempos um governante propôs-se apresentar uma espécie de roteiro sobre as funções do Estado e a sua sustentabilidade económica. Como é evidente nada fez, porque isso não se faz assim, com proclamações publicitárias e auto-elogiosas. Faz-se com trabalho de muita gente, de muitos lados, e depois com decisões políticas corajosas, politicamente sustentadas em consensos alargados e com perspectiva de vigência a longo prazo
E é isso que os juízes pretendem, também neste caso. Reforçar a dignidade estatutária da função e pensar a longo prazo. Pensar no que fazem e no que devem fazer os juízes e outros profissionais da justiça. Pensar que justiça temos e queremos ter. Quantos juízes serão necessários para a ter. Que profissionais de apoio directo têm e devem ter. E, obviamente, fazer contas a isto tudo. Pensar em vencimentos e pensar em massa salarial.
Quando falamos em fazer contas, não podemos estar a pensar como o merceeiro no deve e haver de hoje de manhã e de logo à tarde, que é como quem diz neste trimestre e no próximo semestre. Mas fazer outras contas nunca dá jeito. Nunca são oportunas. Ou porque está cá a troika. Ou porque acabou de sair e pode voltar. Ou porque está tudo a correr bem. Ou porque está tudo a correr mal. Ou porque há eleições. Ou por qualquer outra razão, quiçá astrológica ou metafísica.
Por isso olhamos sempre para o curto prazo, sem preparação nem inteligência para olhar mais longe. E, pior que tudo, orientados pela visão de oráculos míopes.
João Paulo Raposo | Opinião Sábado | 29-08-2017
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