Conselho Superior e Estatuto dos Juízes

40 anos de Conselho Superior da Magistratura. Uma importante data deste que é o órgão constitucional de gestão dos juízes. Continua a ser uma entidade com pouco reconhecimento público mas é fundamental que o conjunto da comunidade perceba que este é o órgão de gestão mais importante do sistema da justiça.

40 anos de Conselho Superior da Magistratura. Uma importante data deste que é o órgão constitucional de gestão dos juízes. Continua a ser uma entidade com pouco reconhecimento público mas é fundamental que o conjunto da comunidade perceba que este é o órgão de gestão mais importante do sistema da justiça, neste caso dos tribunais comuns, a par do CSTAF, no que respeita à gestão dos tribunais administrativos e fiscais.

 É-o porque o centro do sistema judicial são os tribunais e os juízes. É aí que está o coração do sistema. E, se assim é, ao contrário do que muitos pensam, não é o Ministério da Justiça que se deve assumir como centro nevrálgico do sistema. Os juízes não são funcionários do Ministério. Não são funcionários, ponto. É essencial que todos percebam isto e se adequem a este facto, incluindo os Conselhos, o governo e os próprios juízes.

A referida data foi assinalada no passado dia 24 com uma sessão solene. Um momento que interpelou reflexões importantes sobre o sistema de justiça e sobre o atual momento do judiciário. Como não podia deixar de ser a questão da revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais esteve presente em diversas intervenções. É a questão central e uma peça essencial no contexto das recentes e profundas alterações no judiciário.

De forma absolutamente clara e direta o Presidente da Republica interpelou a uma participação ativa do Conselho no processo de revisão do Estatuto. Quer o presidente quer o vice-presidente deste Conselho superior, que, em termos de competência neste orgão de gestão podem ser apresentados, de modo simplificado, como o "chairman" e o "CEO", não enjeitaram tal responsabilidade.

É essencial que assim seja e que essa assunção seja plena, abarcando todos os pontos em discussão. E que a associação de juízes não seja deixada a falar sozinha com o poder político em diversas áreas.

De entre todos os temas, o mais crítico e sensível, também aquele em que mais vezes os Conselhos enjeitam envolvimento, está a questão do estatuto económico e social dos juízes. Parece haver, se não um complexo pelo menos uma reserva excessiva, na assunção de que a importância e dignidade das funções também comporta esta valência. E que deve ser discutida de forma aberta e transparente, conhecendo a realidade do país e a realidade da situação dos juízes.

Importa dizer que os juízes não enjeitam, ou alguma vez enjeitarão, qualquer possibilidade de total declaração de rendimentos e interesses. A carreira de juiz é exercida em absoluta e completa dedicação e exclusividade. Não há rigorosamente nada a esconder e seria talvez importante que todos os cidadãos tivessem conhecimento desta realidade para não serem contaminados com todo o tipo de desinformação populista.

Na sequência da interpelação feita, o vice-presidente do CSM, Juiz-Conselheiro Mário Belo Morgado, teve uma afirmação muito importante declarando, sem rebuços, "reivindicar o fim das disparidades salariais" entre os juízes e os membros das entidades de regulação e supervisão. Já o próprio presidente, Juiz-Conselheiro António Henriques Gaspar, o dissera em mais de uma ocasião.

Se há coisa incompreensível é dizer-se que para garantir competência e independência tem que se pagar a um regulador o dobro, o triplo, o quíntuplo ou o décuplo do ordenado de um juiz.

E se há coisa que os juízes não aceitam também é esta associação direta entre o vencimento e a independência, pelo menos nos termos restritos em que muitos a apresentam. Os juízes sempre foram, são e serão absolutamente independentes e imparciais apesar da forte degradação do seu estatuto económico. Não é para prevenir a corrupção ou o tráfico de influências que uma consistente revalorização é essencial. É porque é justa e inerente à importância da função.

Ainda assim, nem tanto ao mar nem tanto à terra. A revalorização é importante, conhecendo a realidade do país e num quadro coerente. O facto de se dizer que a disparidade com o estatuto dos reguladores não tem qualquer razão de ser, se o que se trata é de garantir competência e independência, não implica concluir-se, nem nada que se pareça, que as propostas dos juízes sejam equivalentes a essas.

Possivelmente, num quadro jurídico transparente e racional, o que deveria prever-se seria um estatuto uniformizado de todos os corpos independentes do Estado, sendo o estatuto dos juízes a referência para todos os outros, enquanto órgãos cuja independência está na genética e é a coluna central do seu regime.

Quando se diz que o funcionamento da justiça impacta fortemente na economia e no investimento, mesmo com tudo o que de errado essa afirmação comporta, impõe-se perguntar se será que alguém acredita que se possa ter um sistema de justiça reforçado e eficiente sem os seus titulares estarem fortemente empenhados e motivados?

Ainda bem que o CSM se chegou a esta discussão. Gerir o sistema e os juízes também é isso. Seja bem-vindo.

João Paulo Raposo | Sábado-Opinião | 27-03-2017