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REVISTA DE 2017

Maddof e o segredo de justiça

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António Ventinhas - No nosso país, a fase de inquérito é como se fosse um diário de bordo, onde todas as ordens, diligências e elementos de prova ficam registados documentalmente e por ordem cronológica. Quem lê um inquérito percebe perfeitamente como evoluiu a investigação, quem deu as ordens, quem as cumpriu e todas as diligências processuais que foram realizadas, ao contrário do que sucede na justiça americana.

Bernard Maddof foi presidente de uma sociedade de investimento com o seu nome e grande impulsionador do desenvolvimento do NASDAQ.

Figura de relevo na alta-finança de Nova Iorque alcançou notoriedade pelas suas actividades filantrópicas.

A fraude financeira que protagonizou é considerada a maior de todos os tempos e atingiu o património de instituições financeiras e fundos de investimento em todo o mundo. Estima-se que o valor da fraude tenha atingido os 65.000 milhões de dólares.

A investigação foi extremamente complexa e durou vários anos.

Em Junho de 2009, Maddof foi condenado a 150 anos de prisão por um tribunal de Nova Iorque.

O processo que investigou o empresário Bernard Maddof correu termos nos Estados Unidos da América, de acordo com as regras processuais e substantivas daquele país.

Em Portugal afirmou-se erradamente que a fase de investigação deste processo durou somente seis meses, quando na verdade decorreu durante vários anos, no regime de opacidade próprio do sistema americano.

O processo, considerado por alguns como exemplo da celeridade americana, na verdade demorou bastante mais do que a média dos processos destinados a investigar a criminalidade económico-financeira na comarca de Lisboa.

O sistema processual penal norte-americano é muito diferente daquele que vigora na Europa Continental e em Portugal.

A fase da investigação criminal nos Estados Unidos é processualmente distinta da portuguesa.

No sistema judicial do país mencionado não existe um inquérito formal como nós o conhecemos.

A investigação é dominada pela informalidade, pela proximidade entre procuradores e detectives, por uma orientação extrema para a recolha de provas e definição da estratégia a seguir em julgamento.

Naquele sistema, o Ministério Público pode ou não exercer a acção penal de acordo com critérios de oportunidade.

Não existem prazos de inquérito ou possibilidade dos visados e seus defensores consultarem o inquérito, como acontece em Portugal.

No nosso país, a fase de inquérito é como se fosse um diário de bordo, onde todas as ordens, diligências e elementos de prova ficam registados documentalmente e por ordem cronológica.

Quem lê um inquérito percebe perfeitamente como evoluiu a investigação, quem deu as ordens, quem as cumpriu e todas as diligências processuais que foram realizadas, ao contrário do que sucede na justiça americana.

Nos Estados Unidos da América os direitos dos advogados e dos visados pelas investigações são mais limitados do que em Portugal, bem como a possibilidade de recursos, requerimentos, arguição de nulidades ou acesso à informação.

Para além disso, a possibilidade de se realizarem acordos com arguidos para obter uma colaboração premiada, os regimes generosos de protecção de testemunhas e a utilização de tribunais de júri facilitam a vida a quem investiga.

O sistema português tem uma preocupação extrema em garantir os direitos dos arguidos na fase de inquérito, uma vez que o Código de Processo Penal surge como resposta a práticas vindas do sistema autoritário do Estado Novo.

Não obstante tudo o que foi dito, nas últimas semanas tem sido defendido que a nossa fase de inquérito deveria seguir o modelo americano.

A grande surpresa resulta do facto da proposta ser efectuada por advogados e não por procuradores.

A partir do ano de 2007, a regra nos inquéritos portugueses passou a ser a publicidade, ou seja, os processos podem ser livremente consultados pelos interessados desde o início.

É residual o número de inquéritos que se encontram sujeitos ao regime do segredo de justiça.

No entanto, os inquéritos que se encontram submetidos a tal regime são precisamente aqueles que despertam maior curiosidade mediática e onde a necessidade de segredo é mais importante.

Se numa investigação destinada a apurar a prática de crimes de corrupção se souber qual a pessoa que irá ser alvo de uma intercepção telefónica ou a quem se ordenou a apreensão de um computador, os resultados serão um fracasso.

Nas investigações de crimes como o tráfico de droga, terrorismo, associações criminosas ou corrupção é absolutamente essencial que exista um regime de segredo, pois caso contrário não é possível combater este tipo de criminalidade grave.

A proposta apresentada recentemente por alguns advogados visa voltar ao segredo absoluto do processo, o que nos parece ser um tema interessante para debater quanto à criminalidade mais grave, organizada e complexa.

Quanto à criminalidade mais comum, é unânime q      ue não tem qualquer interesse a sujeição ao regime do segredo de justiça na generalidade dos casos.

António Ventinhas | Opinião Sábado | 22-03-2017

Comentários (2)


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...
O processo deve ser secreto e essa deveria ser a regra.
Ai Ai , 24 Março 2017 - 23:40:10 hr.
...
Em Portugal o processo é feito por advogados e para advogados de gente rica.
Que baste para os crimes comuns e completamente esburacado no colarinho branco. Está tudo em liberdade. Só está preso um desgraçado da PJ,há três anos em prisão preventiva, condenado por promessa de vantagem futura. Seja lá o que isso for.
Valmoster , 25 Março 2017 - 15:51:16 hr.

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