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REVISTA DE 2017

Uma ode ao Estado Polícia: a lei do branqueamento

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António Jaime Martins: "O sigilo profissional é a pedra angular do direito de defesa dos cidadãos num Estado de Direito Democrático. É a diferença entre a devassa completa da privacidade e da liberdade e a sua ausência".

Entrou no início desta semana em vigor a lei do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo. Naquilo que a mesma pretende ser um instrumento de combate ao crime organizado e ao terrorismo é fundamental à preservação da forma de viver das sociedades ocidentais, assoladas por fenómenos de criminalidade altamente organizada, quantas vezes com recurso a meios cibernéticos muito sofisticados e recorrendo ao disfarce financeiro de operações, muitas das vezes para financiar atividades ilícitas como o terrorismo.

A lei prevê para um conjunto de entidades e profissionais o dever de revelar um conjunto de operações em que tenham intervenção a pedido dos seus clientes ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e à Unidade de Informação Financeira. Prevê também o dever para as entidades obrigadas de colaborar com as autoridades tributárias e judiciárias prestando esclarecimentos e fornecendo elementos relativos a operações em que assessorou os seus clientes. A lei vai ao ponto de exigir das entidades obrigadas a comunicação numa base sistemática das operações que elenca que são, na realidade, todas as que se podem realizar, sejam compras e vendas de imóveis, a constituição de sociedades ou quaisquer operações financeiras e imobiliárias. São abrangidos de forma indistinta entidades como os bancos, os fundos, as auditoras, os revisores oficiais de contas e os contabilistas certificados, mas também os advogados e os solicitadores.

Ora, é precisamente esta extensão da aplicação de tais deveres de forma indiscriminada aos advogados e solicitadores, profissionais que por excelência exercem o mandato judicial por conta dos seus clientes, que não é admissível. E se é verdade que o artigo setenta e nove da lei constitui uma cláusula de salvaguarda para todas as situações em que estejam em causa informações obtidas para o exercício do mandato ou para a apreciação da situação jurídica do consulente,  obviou-se que estes atores do judiciário – advogados e solicitadores – por força do seus estatutos profissionais e da natureza da atividade que exercem, ao contrário dos auditores, dos revisores e dos contabilistas, não têm o dever de revelar, mas o dever de reservar os assuntos dos seus clientes.

O sigilo profissional é a pedra angular do direito de defesa dos cidadãos num Estado de Direito Democrático. É a diferença entre a devassa completa da privacidade e da liberdade e a sua ausência. É a diferença entre um Estado de Direito Democrático e um Estado Polícia, no qual a máquina do Estado além de procuradores e de polícias criminais para investigar e acusar, pretende contar com um conjunto indiferenciado de profissionais requisitados à força como delatores dos seus clientes. É para casos limite como este que reputados constitucionalistas falam na figura do direito de resistência.

António Jaime Martins, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados
Jornal de Negócios | 22-09-2017

Comentários (1)


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Portanto o sr. causídico entende que se um seu cliente lhe confidenciar que vai financiar uma operação terrorista no metro de Lisboa, o sigilo profissional prevalece. Ou se lhe entregar um saco de notas para o mesmo efeito. Ou se lhe solicitar uma conta bancária para fazer depósitos com o mesmo propósito. Se bem percebi.
Valmoster , 22 Setembro 2017 - 13:35:44 hr.

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