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REVISTA DE 2016

STA reconhece direito de nascituro a ser indemnizado

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Infra-Estruturas de Portugal condenada. Menor ainda não era nascido quando o pai morreu num acidente de viação.

Um bebé que se encontre no ventre materno tem direito ser indemnizado pelos danos resultantes da morte do seu pai, quando esta ocorre antes do seu nascimento? O Supremo Tribunal Administrativo (STA) entendeu que sim e condenou a Infra-Estruturas de Portugal ao pagamento de 67.800 euros a um adolescente que, mais de uma década depois da morte do seu pai, num acidente de viação, em Ponte de Lima, reclamou uma indemnização por danos não patrimoniais e por ter ficado privado da respectiva prestação alimentar.

Na primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto concordou com a empresa pública responsável pela gestão da rede rodoviária, segundo a qual um nascituro não pode ser titular de direitos, posto que “tal titularidade decorre da personalidade jurídica e esta só se adquire com o nascimento”. O STA discordou e sentenciou que um nascituro “adquire retroactivamente todos os direitos que pertençam ou sejam reconhecidos ao filho biológico, a partir do seu nascimento completo e com vida”. Dito doutro modo, “os factos decorrentes de responsabilidade, que tenham ocorrido no período em que ainda só havia nasciturno, não arredam este, depois de nascido, de accionar o direito a ser indemnizado como filho”.

A matéria em julgamento recua a 9 de Março de 1998. Por volta das 0h30 da madrugada, um motorista de profissão com 25 anos de idade, seguia na Estrada Nacional n.º 202, em Arcozelo, em Ponte de Lima, quando a sua viatura embateu contra uma tampa de saneamento assente numa estrutura cilíndrica a uma altura de cerca de cinco centímetros do solo. Do embate resultou o despiste do automóvel e a morte imediata do condutor.

Nessa altura, a sua namorada, então com 26 anos, estava grávida e o filho de ambos viria a nascer no final do ano. Na primeira instância, o tribunal deu como provado que aquela tampa de saneamento estava há mais de ano e meio no local e já teria provocado vários outros acidentes.

A vítima era “saudável, ágil e robusta” e auferia um salário de 798 euros, conforme se lê no acórdão do STA. A namorada não chegou a casar. O filho cresceu sem a presença do pai. No pedido de indemnização, os dois reclamavam 17.500 euros pelos danos sofridos pela vítima nos momentos que precederam a morte, mais 50 mil euros pela perda do direito à vida do motorista. A estas quantias, acresciam 37.500 euros de indemnização ao filho por ter crescido privado do seu pai. E ainda 94.272 euros a título de prestação alimentar, calculada em 250 euros mensais, até que o menor perfizesse 27 anos de idade.

Na primeira instância, o tribunal apenas obrigou a então Infra-Estruturas de Portugal (então Estradas de Portugal) ao pagamento de 50 mil euros e considerou que o menor não tinha direito a indemnização porque não dispunha de personalidade jurídica aquando da morte do seu pai.

Natália Faria | Público | 14-07-2016

Nota InVerbis:
O Acórdão do STA foi proferido em 30-06-2016 (proc. 01485/14) e pode ser consultado, em texto integral, nesta ligação.

Sumário do Acórdão:
«I - O legislador, ao consagrar no artigo 496º do CC, que por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe (…) aos filhos, não distinguiu consoante se trate de filhos já nascidos à data da morte do pai, ou filhos já concebidos, mas só nascidos em data posterior.
II – E não o fez de forma consciente. É que, por um lado, o legislador não podia ignorar que os danos morais decorrentes da morte do pai são precisamente iguais para o filho que nasceu um dia antes desse óbito ou para o que nasceu um dia depois dele, pelo que desta igualdade não deveriam brotar efeitos jurídicos distintos. Por outro lado, é sempre enquanto filho, já nascido e vivente e, não enquanto nascituro, que o filho apenas concebido à data da morte do pai, reclama uma indemnização, «jure próprio», ao lesante.
III – Tudo indicia, pois, que o vocábulo «filhos», abranja quer os nascidos, quer os filhos apenas concebidos à morte do pai – que depois nascem e vivem [artº 66º, nº 1 do CC], sem o que não pediriam, como «filhos» qualquer indemnização.
IV – O nº 2 do artigo 496º do CC, admitindo-se que alude aos «filhos» com tal amplitude, [em que até a palavra «filhos» é tomada no sentido comum] passa a consagrar – embora impliciter - mais um caso em que um direito (aqui, indemnizatório) provisoriamente se radica num nascituro [nº 2 do artigo 66º do CC]; direito que – como é habitual e típico nestes casos – se actualizará, quando, após o nascimento completo e com vida, surgir plenamente a qualidade de filho da vítima.
V – É esta a representação que melhor se ajusta – e a mais fiel – aos cânones interpretativo, assegurando a igualdade e a justiça, sem ferir a letra da lei, uma vez que, na verdade, o nº 2 do artº 496º do CC não distingue nunca se os filhos ali referidos são apenas os existentes à data da morte do pai. Deste modo, entendendo a norma como incluindo todos os «filhos» da vítima, quer os que já tenham nascido à data da morte daquele ou ainda não, mas já concebidos, caminha-se e encontra-se uma solução equilibrada, que não fere a lei e que vai ao encontro igualmente do senso comum; interpretar-se de outra forma, seria negar aos filhos nascidos após a morte do pai, a qualidade de filhos a quem já se encontrava concedido e que vem efectivamente a ser filho da vítima, de pleno direito.
VI - Nesta interpretação, é para nós inequívoco que um nascituro (strito sensu) adquire retroactivamente todos os direitos que pertençam ou sejam reconhecidos ao filho biológico, a partir do seu nascimento completo e com vida.»

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