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REVISTA DE 2016

Seguro de vida e invalidez do segurado

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O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é abusiva, por contrária ao princípio da boa-fé, proibida e nula a cláusula especial constante das condições de contrato de seguro de grupo, destinado ao pagamento do saldo de um empréstimo por crédito à habitação em caso de invalidez absoluta e definitiva do aderente, que exija para caracterização desse estado de invalidez que o aderente fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente.

O caso
Em setembro de 1998, um casal comprou a sua casa com recurso a empréstimo bancário tendo, nessa altura, contratado um seguro de vida para garantir o pagamento do empréstimo em caso de morte, invalidez total e permanente, por acidente, ou invalidez absoluta e definitiva, por doença.

Em 2006, o marido foi acometido de doença incapacitante, o que o obrigou a cessar a sua atividade profissional de pedreiro, ficando, desde então sem condições ou possibilidades para exercer qualquer outra atividade.
Em consequência, o casal acionou o seguro, mas a seguradora recusou-se a proceder ao seu pagamento alegando que, de acordo com as condições especiais do contrato, a sua obrigação de pagamento fundada na invalidez absoluta e definitiva exigia também que o segurado tivesse ficado na necessidade de recurso à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente, o que não sucedera.

O casal deixou de conseguir pagar o seguro e as mensalidades do crédito, tenho a mulher visto ser-lhe penhorado para do vencimento.
Alegando que só em maio de 2011 é que lhes tinham sido comunicadas as cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro, desconhecendo até então o respetivo teor, o casal recorreu a tribunal exigindo o pagamento do seguro.

A ação foi julgada improcedente mas, após  recurso interposto para o Tribunal da Relação de Guimarães, este decidiu declarar nula, por abusiva, a cláusula do contrato de seguro que fazia referência à obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente, condenando a seguradora a proceder ao pagamento do empréstimo ao banco e a restituir ao casal as quantias pagas em resultado da penhora do vencimento da mulher. Foi, então, a vez da seguradora recorrer para o STJ.

Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ negou provimento ao recurso, confirmando a condenação da seguradora, ao decidir que é abusiva, por contrária ao princípio da boa-fé, proibida e nula a cláusula especial constante das condições de contrato de seguro de grupo, destinado ao pagamento do saldo de um empréstimo por crédito à habitação em caso de invalidez absoluta e definitiva do aderente, que exija para caracterização desse estado de invalidez que o aderente fique na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinários da vida corrente.

Segundo o STJ, essa cláusula introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes, esvaziando na prática largamente a utilidade do seguro, na medida em que este visa essencialmente obrigar o segurador a pagar ao banco mutuante no caso do aderente ficar impossibilitado de o fazer por si, e esta finalidade satisfaz-se com a própria impossibilidade e sem necessidade do aderente ficar também dependente da referida assistência permanente.

Está em causa uma cláusula contratual geral, elaborada pela seguradora sem prévia negociação individual, proibindo a lei as cláusulas contratuais gerais que sejam contrárias à boa-fé. Tais cláusulas são, assim, nulas, podendo e devendo essa nulidade ser declarada oficiosamente pelo tribunal, mesmo quando não tenha sido alegada pelo segurado.

Sendo a cláusula nula, a seguradora não pode dela prevalecer-se, estando obrigada a pagar o seguro quando o segurador tenha demonstrado que, por doença, ficou incapacitado de exercer qualquer atividade remunerada.
Embora nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, seja sobre o banco tomador do seguro e não sobre a seguradora que recaia o dever de comunicar ao aderente as coberturas e exclusões constantes das condições gerais e especiais do contrato, não podendo o segurado prevalecer-se contra a seguradora do facto de aquelas não lhe terem sido comunicadas, essa conclusão torna-se irrelevante quando esta tenha sido condenada a pagar o seguro não em decorrência da não comunicação das coberturas e exclusões mas sim devido à nulidade da cláusula contratual.

Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 240/11.7TBVRM.G1.S1, de 27 de setembro de 2016
Código Civil, artigos 280.º e 286.º
Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, artigos 1.º, 12.º, 15.º e 16.º
Decreto-Lei n.º 176/95, de 26/07, artigo 4.º

Lexpont | 03-11-2016

Comentários (2)


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...
Um tema actual e com interesse. Fez-se Justiça.
Pires, o sadino , 17 Novembro 2016 - 09:45:04 hr.
...
Uma decisão iluminada no meio da escuridão das 99,99% das decisões judiciais que só favorecem seguradoras e grandes grupos económicos. Em Portugal o comum cidadão é esmagado pelo terrorismo das seguradoras, que continuam a usar os tribunais como arma de arremesso, com acordos absurdos, nunca pagam juros e quando perdem as indemnizações continuam a ser miserabilistas, para já não falar que raramente os tribunais têm a coragem de as condenar por litigância de má fé. Os juízes deviam ter vergonha da forma como protegem estes grandes grupos, com lucros de milhões, em detrimento dos direitos dos cidadãos
Chá vermelho com limão , 17 Novembro 2016 - 10:33:55 hr.

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