O número de casos a aguardar decisão judicial é o mais baixo da última década. Mas juízes e magistrados do Ministério Público desconfiam que a boa notícia seja apenas aparente.
A julgar apenas pelas estatísticas oficiais divulgadas esta sexta-feira, a Justiça portuguesa está mais rápida e mais eficaz. Há uma década que o número de processos pendentes nos tribunais não era tão baixo. E em 2015, pelo terceiro ano consecutivo, houve mais casos concluídos do que novos processos entrados.
Segundo os dados da Direção-Geral da Política de Justiça, no final do ano passado estavam pendentes nos tribunais judiciais de 1ª instância, excluindo os dados dos tribunais de execução de penas, cerca de 1,3 milhões de processos, o que representa uma diminuição de 9% em relação a 2014. Já nesse ano - cujos dados tinham sido "apagados" pelo colapso do Citius e só agora foram recuperados e divulgados - tinha havido uma redução de 5,4% no número de pendências.
Nos últimos dois anos, o número de processos findos foi sempre superior ao número de processos entrados. O saldo entre uns e outros correspondeu em 2015 a menos 129.880 processos. Aliás, olhando para os últimos 20 anos, só 2013 registou uma eficácia judicial superior.
Extinções automáticas e tribunais longe de mais
A presidente da Associação Sindical dos Juízes, Maria José Costeira, confirma que está, de facto, a haver um aumento do número de processos concluídos nos tribunais, mas salienta que isso pode não corresponder a uma melhoria real da eficácia. "Com o novo Código do Processo Civil, que começou a produzir efeitos em 2014, determinou-se que os processos de execução, que constituem grande parte do total de processos, são extintos automaticamente ao fim de seis meses, caso não sejam encontrados bens para se saldar a dívida. Só isso faz logo diminuir o número total de processos findos, mas não tem nada a ver com nehuma reforma do sector", frisa.
Para a melhoria dos números da Justiça, contribuiu não só o aumento dos processos findos, mas também a diminuição do número de novos casos que dão entrada nos tribunais. E isso pode não ser uma boa notícia, sublinha Maria José Costeira: "Não sabemos se se deve a uma diminuição da litigância ou ao facto de em algumas comarcas estar a haver efetivamente uma maior dificuldade no acesso aos tribunais, devido à distância", que em muitos casos aumentou, com a reorganização do mapa judiciário.
E exemplifica: "O Tribunal de Família e Menores da Comarca de Beja ficou instalado em Ferreira do Alentejo e, numa zona onde muitas pessoas são carenciadas, nem todos têm possibilidade de se deslocar até lá, ainda por cima porque nem sequer há transportes diretos".
Também o presidente do SIndicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, tem dúvidas em relação aos números divulgados esta sexta-feira pelo Ministério da Justiça. "À partida, a redução das pendências é positiva, mas é preciso ver que tipo de processos estão a diminuir. Pode haver comarcas que, para melhorar as estatísticas, estão a despachar processos mais fáceis, como as execuções, deixando para trás os processos de maior complexidade. Deste modo, pode parecer que está a haver uma grande melhoria, quando no fundo não está", avisa.
De acordo com os dados da Direção-Geral da Política de Justiça, os processos cíveis - que correspondem a 67% do total de casos que dão entrada nos tribunais - são os que mais influenciaram a melhoria do saldo global, já que diminuíram acentuadamente os novos processos e aumentaram os que foram concluídos.
Joana Pereira Bastos e Raquel Moleiro | Expresso | 29-04-2016.
Comentários (4)
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Números, números e mais números
O actual Ministério, que não é o autor da reforma, não estará provavelmente muito entusiasmado com as conclusões apresentadas.
É verdade que o caso das execuções apontado traduz um desvio na auscultação da pulsação do sistema.
Dito isto: é evidente que a especialização, trazida pelo novo mapa, é altamente benéfica, quer para uma maior resposta do sistema, quer para uma resposta de melhor qualidade.
Sistema esse que poderá ser aperfeiçoado aqui e ali. E especialmente, no que tange a resposta qualitativa que dá.
É que nos tempos que correm, torna-se muitíssimo preocupante verificar que TODOS ou QUASE todos, estão obcecados com as estatísticas, com as pendências, com as baixas, com as taxas de resolução, com os objectivos processuais e por ai fora, sem que se perceba que, no mínimo, metade dessa preocupação exista relativamente à qualidade da resposta.
Primeiro veio o ovo ou a galinha?
Mas é perfeito?
Longe disso.
Pode ser melhorado?
Claro.
É fácil fazê-lo?
Não.
O modelo conçreto de gestão, que não distingue responsabilidades, é o melhor?
Tenho sérias dúvidas que seja...
A nova Ministra da Justiça quer alterar esse modelo?
Não. Não quer... Pretende que se mantenha a "penumbra"... Única garantia de se não "chamuscar" o MP.
O mundo não é perfeito. E diga-se ou pense-se o que se quiser... ele continuará a girar!
Menos processos, mas menos garantias
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35...nferência
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-03-2016 no processo: 0702/15
Sumário: Não é de admitir recurso de revista excepcional do Acórdão do TCA que não admitiu recurso de sentença de juiz singular em 1.ª instância em acção administrativa especial de valor superior à alçada, por entender que havia lugar, sim, a reclamação, e esse problema se encontra já com resposta consolidada a nível do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido do acórdão recorrido.
(…)
Entretanto, no Tribunal Constitucional foi lavrado, no seu processo 629/2014, o acórdão 124/2015, de 12.2.2015 (3ª secção), decidindo: «a) julgar inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, consagrados nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma do artigo 27°, n.º 1, alínea i), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo».
(…)
Ocorre que esse acórdão foi revogado pelo acórdão 577/2015, de 03.11, do Plenário do mesmo Tribunal, do qual, depois, foi indeferida arguição de nulidade pelo acórdão 4/2016, de 13.01.
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