O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que o dono de um cão de raça potencialmente perigosa não é responsável pelos danos que este cause a quem se tenha introduzido no espaço vedado em que o mesmo se encontrava, depois de alertado para a presença do animal e de lhe ter sido dito que aguardasse até poder entrar no local.
O caso
Na manhã de um domingo, a cliente de uma loja de telemóveis, porque pretendia carregar um telemóvel, ao deparar-se com a loja fechada, tocou à campainha do portão da casa do gerente que ficava ao lado da loja, embora com acessos independentes.
Da varanda da casa respondeu a namorada do gerente, pedindo-lhe que aguardasse, enquanto ia abrir a entrada que dava acesso direto ao estabelecimento.
Porém, em vez de aguardar, e apesar de junto ao portão existir uma placa que alertava para a existência de um cão que guardava a casa, a cliente abriu o portão, acendendo ao pátio onde estava o cão e sendo por este atacada e mordida.
Perante os danos que sofreu, a cliente apresentou queixa-crime contra o dono do cão e exigiu o pagamento de uma indemnização.
O processo crime terminou com a absolvição do dono do cão, tendo este contestado o pedido de indemnização alegando que fora a cliente quem, indevidamente e depois de alertada para a presença do animal, abrira o portão e entrara do pátio da casa.
A ação foi julgada improcedente, decisão com a qual a cliente não se conformou e da qual recorreu para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP negou provimento ao recurso ao decidir que o dono de um cão de raça potencialmente perigosa não é responsável pelos danos que este cause a quem se tenha introduzido no espaço vedado em que o animal se encontrava, depois de alertado para a presença do mesmo e de lhe ter sido dito que aguardasse até poder entrar no local.
Diz a lei que quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização. Assim, estando em causa um cão classificado como animal potencialmente perigoso, utilizado no interesse do seu dono, para guarda da sua residência, pode este ser considerado responsável pelos danos que aquele cause ao atacar outras pessoas.
Porém, a presença do cão num espaço vedado e o seu ataque a alguém que aí tenha entrado, quando na entrada se assinalava a presença do animal e quando esse alguém foi instruído para aguardar, não pode ser considerado um risco especial inerente à qualidade e à detenção do animal.
Nessas circunstâncias, o dano não decorre do perigo especial resultante da sua qualidade de animal perigoso e da utilização que lhe era dada pelo dono, mas de uma circunstância provocada pela própria vítima, a quem era exigida e a quem era possível uma atuação diversa, que teria prevenido a ocorrência dos danos.
O mesmo é dizer que o dano resultou de uma atuação culposa da própria vítima, na medida em que não devia ter entrado no local até que lhe fossem dadas instruções para o fazer.
Ora, como a culpa do lesado afasta a responsabilidade objetiva do detentor do animal, não pode este ser considerado responsável pelos danos sofridos pela vítima.
Lexpoint | 13-07-2016
Nota InVerbis:
O Acórdão do TRP, pode ser consultado em texto integral nesta ligação
Proc. n.º 3673/11.5TBVFR.P1, de 14-06-2016
Relator: Rui Moreira
Sumário do Relator:
«I - A presença de um cão G… num espaço vedado e o seu ataque a alguém que aí entrou, quando na entrada se assinalava a presença do animal e quando a esse alguém foi instruído que aguardasse - o mesmo significa que não entrasse até nova instrução - não pode considerar-se um risco especial inerente à qualidade e à detenção do animal naquelas circunstâncias.
II - Neste quadro factual, o dano não decorre do perigo especial decorrente da sua qualidade de animal perigoso e da utilização que lhe era dada pelo dono, mas de uma circunstância provocada pela própria vítima, a quem era exigida e a quem era possível uma actuação diversa e que teria prevenido a ocorrência dos danos.
III - A culpa do lesado afasta a responsabilidade objectiva do detentor do animal, enunciada no art. 502º do C.C.»
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