Incendiário condenado reincidiu, confessou - e juiz libertou-o. Situações "pouco compreensíveis", diz secretário de Estado
Um homem condenado em maio a ano e meio de prisão - com pena suspensa - por atear um fogo, foi há dias detido em Braga por praticar outra vez o mesmo crime - e o juiz deixou-o ir novamente em liberdade, apenas sujeito à medida mínima de coação, o termo de identidade e residência (TIR).
Sobre este detido, mais era impossível, segundo um investigador da Polícia Judiciária (PJ) de Braga: uma testemunha viu-o a atear fogo e anotou o número da matrícula do seu carro, o homem foi detido, confessou e até fez a reconstituição dos seus passos. Por isso, foi com muita surpresa que os investigadores da PJ de Braga o viram sair em liberdade.
Só nestes últimos meses, a PJ deteve 27 pessoas por suspeitas de atear fogo. Destas, apenas dez fi-caram privadas da liberdade: seis em prisão preventiva, três em domiciliária e um com internamento compulsivo. Os restantes suspeitos ficaram obrigados a medidas de coação mais leves, desde apresentações periódicas num posto policial ao obrigatório termo de identidade e residência. Por outras palavras: dos 27 detidos, cerca de dois terços estão em liberdade.
Estas situações irritam os órgãos de polícia criminal, os bombeiros - e o governo. Ontem, no Parlamento, numa reunião com deputados de quase todos os partidos (só faltou o PAN) - reunião pacífica onde até o PSD manifestou "solidariedade" com o executivo de António Costa - , o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, lamentou frontalmente que haja incendiários detidos em flagrante delito que depois são postos em liberdade pelos juízes.
"Por vezes é pouco compreensível o que acontece a gente criminosa que provoca estes incêndios", disse aos deputados. "É pouco compreensível o que acontece mas na justiça não me meto, não me levem a mal", repetiu cá fora, aos jornalistas. Jorge Gomes até contou a sua experiência como governador civil de Bragança, elogiando uma juíza de turno que mantinha preventivamente presos até o verão acabar os incendiários apanhados em flagrante.
Para sustentar a tese de que grande parte dos fogos tem origem criminosa, o governante afirmou um número: 35% das "ignições" são noturnas. "Há muitos interesses por detrás disto. Há quem diga que a indústria do fogo dá dinheiro a muita gente."
Ora, segundo fonte governamental disse ao DN, o tal "agravamento de penas" de que o governo já falou deverá, precisamente, passar pela questão das medidas de coação sobre os suspeitos confessos ou detidos em flagrante - muito mais do que pelas penas efetivas de prisão. Do que se trata é de criar disposições que diminuam as possibilidades de detidos serem libertados mesmo tendo confessado ou sido apanhados no ato.
A solução em concreto não está definida mas poderão ser ensaiadas analogias com o crime de violência doméstica, onde os direitos de os juízes poderem decretar prisão preventiva (para evitar prosseguimento da prática do crime) foram substancialmente reforçados.
Tal mudança penal deverá ser anunciada em outubro, quando se realizar uma reunião especial do Conselho de Ministros dedicada para tratar da prevenção dos incêndios e da reforma da floresta. Até lá há um grupo de trabalho no governo a preparar medidas - grupo que inclui, precisamente, representação do Ministério da Justiça.
Ontem, o foco das queixas do governo esteve nos juízes - mas não só. A escassa ajuda europeia também foi lamentada. O mecanismo europeu - só prometeu um avião que virá de Itália - está "saturado", disse o primeiro-ministro, que foi ao Funchal prometer ajuda financeira, mas sem quantificar.
Em Arouca, horas antes, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, confessava que "estava à espera de uma maior solidariedade dos parceiros europeus".
João Pedro Henriques e Carlos Rodrigues Lima
Diário de Notícias | 12-08-2016
Comentários (5)
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Sabe-se muito mais sobre as viagens feitas por secretários de estado e deputados à conta de empresa privada que tem um GRANDE contencioso com o Estado. O mesmo se pode dizer sobre as trapalhadas do ministro que tentou desvaloriza-las... Aqui sim há matéria bastante para qualificar todas essas situações de "incompreensíveis"! Mas não vi nenhum magistrado vir a público dizê-lo... E bem, como se espera de quem respeita as instituições.
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