A Revista da Ordem dos Médicos publicou na sua última edição (n.º 165, de Dezembro 2015) um parecer que conclui que «(...) A obrigação de revelação junto das autoridades policiais ou instâncias sociais competentes existe sempre que se verifique que uma criança, um idoso, um deficiente ou um incapaz são vítimas de sevícias ou maus tratos; em todas as outras situações em que a intensidade ou a reiteração da conduta do agressor são evidentes e põem em causa, de forma grave, a saúde, a integridade física ou a própria vida da vítima, poderá o médico, ponderando a situação à luz dos princípios éticos da justiça e da benevolência, desvincular-se do segredo e efectuar a denúncia».
Texto integral do parecer publicado na Revista da Ordem dos Médicos, n.º 165 |53.1 KB
Comentários (6)
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Muito obrigado, Ordem.
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Por acaso leu o parecer?
«por dares a tua bênção a que os médicos cumpram aquilo que já era uma obrigação de todos os cidadãos, desde que a violência doméstica passou a ser crime público»
Como? De todos os cidadãos?
Já não bastava aqueles de que uma pessoa faz denúncia e acabam arquivados, agora tínhamos todos de denunciar todos os crimes públicos de que tivéssemos conhecimento... É o que digo: já não bastava aqueles de que uma pessoa faz denúncia e acabam arquivados...
Não sei se "des-iluda" o Desordenado ou se o mantenha iludido. Às vezes já nem sei o que é melhor. Aceito conselhos.
Nota sobre o parecer:
Na penúltima página, onde se lê "conflito de interesses" deveria estar, creio, e com o devido respeito ao Autor do parecer, "conflito de deveres": entre o dever de guardar segredo e o dever de denunciar crime público - por adquirido o conhecimento da sua prática no exercício da função pública - há conflito de deveres, não de interesses, que é outra coisa.
Conflito de deveres é causa de justificação (= causa de exclusão da ilicitude) quando respeitados os pressupostos do instituto: observação do dever de valor mais elevado. Sendo ambos iguais, qualquer deles.
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Saga
Nada. A menos que estejamos a falar de deveres morais.
O que já era dever "para todos os cidadãos", em certos casos, não passou a ser mais com a criação deste crime público. Se não estivermos a falar de "todos os cidadãos" o caso muda de figura: cada crime público novo acarreta o respectivo dever de denúncia por certa classe de pessoas, com os pressupostos conhecidos.
Liga automaticamente o crime de omissão de auxílio a todo o conhecimento de crime de violência doméstica? Está errado. Jus-penalmente errado.
Olhe, eu por acaso já liguei para a PSP por casa de gritos da vizinhança - aí estava em caso a omissão de auxílio, pelo menos putativa, com efeito. Agora por causa de sei lá quantos casos de que tive conhecimento em que A e B andavam sempre à pancada, sendo um deles completamente "chanfrado/a" e o/a outro/a maior e vacinado/a mas pelos vistos masoquista, eu tinha qual dever, como cidadão? Nenhum. Nem o cumprimento do dever moral de uma pessoa se oferecer para testemunha elas aceitam! Ainda por cima viram o bico ao prego e na hora da verdade são capazes de dizer que o amor da vida delas nunca lhes tocou excepto p'ra carícias...
Não vamos confundir o direito de alertar as autoridades com o dever, pode ser?
A omissão de auxílio é outro mundo. Ainda ninguém sonhava com a violência doméstica feita em crime público e já se sabia que era dever auxiliar ou promover o auxílio em "n" casos (mas que estivessem a acontecer naquele momento; não casos de que se tem conhecimento passado o perigo!), incluindo, naturalmente pancada entre gente que está casada, que acha que está casada, que queria estar, que não queria estar mas está, que há-de estar para nossa desgraça, e mais toda a fauna e flora deste mundo.
«O que é que o que eu disse tem a ver com o facto de haver denúncias que depois acabam por ser arquivadas?»
Nada. Nem tinha que ter. Só me estava a lamentar daquelas que uma pessoa faz e acabam arquivadas (injustamente, ou não se percebia que era o que eu queria dizer?).
«Se todas as denúncias acabassem em condenação, isso ia fazer alguma diferença?»
Com as denúncias que têm razão de ser - ou acha que se faz denúncias por passatempo e não por se estar convencido da prática de um crime? - fazia: isto andava mais limpo. E era preciso que as condenações não fossem a lamechice da pena suspensa, a lamechice da multa, ou a aberração da suspensão provisória do processo, que nem condenação é, mas precisamente por isso tem muitos admiradores. A única coisa digna em alternativa à pena de prisão é o trabalho a favor da comunidade. O resto são lérias de um povo murcho das pétalas à raíz.
«Todas as Ordens são supérfluas e dispensáveis, incluindo a dos médicos, e a sua inexistência teria constituído um enorme favor prestado a um número incontável de vítimas de violência doméstica ao longo destes últimos 15 anos.»
(destacados meus)
Agora a inexistência da Ordem dos Médicos teria sido um favor prestado às vítimas de violência doméstica! O favor está nisto: leia o parecer. Está lá tudo o que é preciso saber, do dever de guardar segredo ao dever de comunicar crimes de que no exercício de funções públicas se tenha tido conhecimento; e a resolução de colisão entre ambos os deveres.
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Se nunca disse esclareça o que disse
1) Que misteriosa obrigação era a de todos os cidadãos, a que o Desordenado refere no primeiro comentário? «Muito obrigado, Ordem, por dares a tua bênção a que os médicos cumpram aquilo que já era uma obrigação de todos os cidadãos, desde que a violência doméstica passou a ser crime público, já lá vai mais de uma década.» - escrito seu. Obviamente era convicção sua, errada, a de que, por um crime ser público, toda a gente ("todos os cidadãos") estavam obrigados à sua denúncia, o que é uma trapalhada de que agora se quer ver livre atrapalhando-se ainda mais. Mas se não for isto então tem o ónus de esclarecer o que «já era uma obrigação de todos os cidadãos, desde que a violência doméstica passou a ser crime público». Que misteriosa obrigação era essa? Custa assim tanto reconhecer um erro que tanta gente já deu, que é a confusão entre o crime ser público e a obrigação de denúncia? Chiça!
2) Mas o que diz a seguir, quando já era mais do que escusado continuar a bater na mesma tecla desafinada, é que não lhe perdoo. Eu não tenho nada que ver com a Ordem dos Médicos, não tenho médicos na família, não devo favores a médico nenhum, mas uma dessas não fica sem resposta pública, por dever de cidadania. «O que eu quis dizer e repito é que graças à Ordem dos Médicos muitos crimes de violência doméstica ficaram por denunciar ao longo destes últimos anos por quem estava em condições particularmente privilegiadas para apresentar essas participações.» - escreveu. O Desordenado não tem vergonha nenhuma ao imputar à Ordem dos Médicos coisas não só contrárias aos valores do Direito, como vexatórias! Ainda mais fazendo-o sob anonimato. Estar «em condições particularmente privilegiadas para apresentar essas participações»? Não, isto não é conversa da treta, como referiu! Isto é querer insistir em brincar com coisas sérias!
O Desordenado pelos vistos não tem em nenhum apreço o dever de guardar segredo por parte dos médicos - cuja inobservância é punida, e bem. Para si o/a médico/a que tivesse conhecimento do crime de violência doméstica saltava por cima do a) dever de guardar segredo, por cima da b) intimidade da relação médico - paciente, por cima de c) considerações sobre o perigo que o paciente em concreto corre ou não corre - e ia direitinho fazer uma participação. Ponderação do conflito de deveres, que tem sempre de ser em concreto? Qual quê.
De uma vez por toda: o médico não está na mesma posição de um agente da PSP (cf. art. 242/1 a) Código Processo Penal). Funções diferentes, deveres diferentes.
Se quer meter os pés pelas mãos faça-o, mas não meta médicos e pacientes nisto. É capaz de ser areia demais...
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