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REVISTA DE 2016

Na Justiça como no futebol

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João Garcia - A democracia aprofundou-se, aconteceu uma dessacralização dos poderosos e a opinião pública está hoje mais exigente e atenta.

Os ricos e poderosos ganham sempre. A frase está a cair em desuso, embora seja cedo para a dar como certa. Seguro, é que mesmo os mais protegidos estão a ser incomodados – não, não é de Euro que aqui se vai falar.

Há quem consiga prolongar contendas e arrastar os desfechos, sendo que é nos tribunais que mais se notam as diferenças entre quem consegue contratar um batalhão de defensores com vários apelidos e aqueles que apenas têm modestos advogados – eventualmente com iguais talentos, mas muito menores meios e apoios. E dar palpites sobre o desfecho dos processos é tão arriscado como fazê-lo antes do apito final do árbitro.

Desde o Face Oculta, que levou à condenação em primeira instância de Armando Vara, e para só enumerar os casos mais falados, tivemos as investigações e prisão de José Sócrates, as acusações a Miguel Macedo, à secretária-geral do Ministério da Justiça e aos responsáveis pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e do Instituto dos Registos e do Notariado (nos Vistos Gold), a vários polícias e graduados e, mais recentemente, ao diretor do Museu da Presidência. Ainda neste rol, duas notícias que o barulho em volta do Euro fizeram passar despercebidas: um tribunal administrativo de Lisboa decidiu, num processo que vinha de 2013, retirar a licenciatura ao ex-ministro Miguel Relvas e, em Faro, Macário Correia foi condenado a uma pena de prisão suspensa. A contas com os tribunais, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Banco de Portugal está uma mão-cheia de banqueiros, entre os quais o ex-todo-poderoso Ricardo Salgado.

Para completar o leque, houve a polémica que envolveu o secretário de Estado do Ambiente e o subsídio de alojamento que recebia apesar de estar a residir em Cascais. O caso não meteu autoridades, provavelmente nem envolverá. Sobressaiu pela arrogância com que o Ministério do Ambiente tratou o caso, com meias respostas até que a dimensão obrigou à devolução da benesse.
É verdade que preso por crimes de colarinho branco, com nome sonante, só há um: Vale e Azevedo. Mas é inegável que anda muita “ex-boa” gente sem dormir.

Mérito de quem? Não é de presumir que os anteriores procuradores-gerais da República fossem mais desculpadores-gerais do que acusadores do reino. Sobre nenhum recaiu suspeita de favorecimentos pessoais ou políticos.

Não se diga que é uma questão de ministra, pois os titulares do cargo zelam muito mais pela política de Justiça do que pela sua aplicação.

Pelo lado da Polícia Judiciária, vive-se em clima de estabilidade, com o diretor, Almeida Rodrigues, no cargo desde 2008. Mas lá que alguma coisa mudou…

Fica uma personagem como principal suspeita, de resto por muitos apontada como tal: a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. É verdade que rompeu com o estilo dos seus antecessores, bem mais interventivos publicamente, e assume, com muito maior naturalidade, o papel de primeira responsável pela investigação criminal. Com ela, e curiosamente com o atual presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, os magistrados têm tido comportamentos bem mais recatados, retirando os holofotes de quem deve primar pela discrição.

Não será por aqui que tudo se explica. Resta uma pista: a de que as coisas estão melhores porque essa é a ordem natural das coisas. A democracia aprofundou-se, aconteceu uma dessacralização dos poderosos – acelerada pelos escândalos financeiros –, a opinião pública está hoje mais exigente e atenta, os investigadores sentem que têm apoio público para cavar até onde puderem. Percebeu-se que quem acusa com competência (e, às vezes, com incompetência…) não sofre represálias.
Este é um dos lados da moeda. Que tem outro: se os protagonistas dos grandes casos forem mandados em paz, então tudo muda. Se assim for, alguém falhou e serão todos a pagar.

Afinal, a Justiça não é assim tão diferente do futebol.

João Garcia | Sábado | 07-07-2016

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