Daniel Oliveira - "Se o século XIX foi o século do poder legislativo e o século XX o do poder executivo, poderá o século XXI vir a ser o século do poder judicial?”
Esta convicção apresentada como dúvida podia ser lida na apresentação do VIII Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em 2008. Ali se explicava que com a crise do papel regulador do Estado, o fim do Estado social e a crescente contratualização das relações sociais e económicas se está a assistir a uma “transferência de legitimidade dos poderes legislativo e executivo para o judicial” e que este está obrigado a densificar a sua dimensão política. E falava-se de “ajustamentos na Constituição”. Não se lamentava um problema, aceitava-se o desafio. É comum, em momentos de crise, corporações não eleitas procurarem na frustração popular a oportunidade para conquistarem poderes que devem depender da legitimidade do voto. Noutros momentos foram os militares, hoje são, como se vê no Brasil, os magistrados.
Sem o voto ou proteção constitucional, a “legitimidade” da corporação baseia-se no reconhecimento popular e populista da sua superioridade moral. E foi imbuído desse espírito que Carlos Alexandre se apresentou na SIC, nas vésperas de mais um adiamento da acusação a Sócrates. E que repete hoje a dose, aqui no Expresso, num impensável frenesim mediático. No seu estilo pouco elaborado, o juiz reconheceu, com indisfarçável orgulho, que “se fosse para o mal” ele “podia ser muito perigoso”. Mas descansa-nos com o seu autorretrato: austero, refeiçoa espartanamente, não tem outro amigo que não seja o trabalho, não goza férias nem fins de semana e personifica o país rural e trabalhador que a elite urbana corrompida despreza. Nas referências maldosas às contas em nome amigos que não tem, mostrando que o magistrado e o arguido são moralmente antagónicos, sugeriu uma acusação que ainda não existe. Em vez da administração da justiça procurou o apoio popular para si e para a sua missão de buscar o bem.
Em vez da função e do processo, o homem bom e a sua moral. É verdade que o enfraquecimento do Estado, nas suas funções económicas e sociais, deixou, mais uma vez, não eleitos como último reduto da Nação. Os botas de Santa Comba Dão ou os “saloios de Mação”, com a mesma estética asceta e a mesma dispensa de escrutínio democrático, surgem sempre nestes momentos.
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Daniel Oliveira | Expresso | 17-09-2016
Comentários (2)
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Que superioridade moral é que este homem tem para escrever o que escreveu?
Oh sô Daniel, desapareça!
Bisgas, são o que são
Quererá o articulista que os juízes sejam eleitos? Ou indicados/nomeados pelos eleitos? Pois aí, dúvidas não há que o que resta desta nossa democracia podre tornar-se-ia em pó.
Isto já cansa.
E digo mais, para quem queira tirar as devidas conclusões: o "saloio de Mação" não foi eleito nem indicado/nomeado para aquele tribunal....