É mais uma autoridade nacional a desvendar, para o cidadão interessado, uma verdade incontestável, mas quase sempre abafada pela teia de interesses da nação portuguesa: “Há advogados deputados que veem a AR como centro de negócios”, afirmou a bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga.
Numa entrevista ao Expresso a bastonária é, ainda, mais precisa: “o reforço da transparência exige que haja uma incompatibilidade do exercício da advocacia com a função de deputado”, onde vários deputados aproveitam a “sua rede de conhecimentos para promoverem uma angariação ilícita de clientela”.
As palavras são para a Assembleia da República mas, naturalmente, extensíveis à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira onde, sempre que tenho levantado este assunto, que considero de elevada promiscuidade e de lesa-cidadania, alguns colegas têm expressado o seu desconforto. Pois é, o desconforto é tramado, sobretudo e pegando novamente nas palavras da bastonária, quando se constata que um “número significativo de deputados têm as suas consciências hipotecadas e que se demitiram da defesa da cidadania”.
O partido que milito tem praticamente concluída uma proposta para alteração deste “estado de graça para os gabinetes jurídicos” e que passa, grosso modo, pela exclusividade da função parlamentar e pela eliminação do regime de imunidades fora da atividade parlamentar. São propostas generalistas e diretas? São. Perfeitamente equilibradas com a conjuntura atual e com garantias de dar resposta à justificação dos “acumuladores de funções”, quando, engraçadamente, justificam o fim dos experientes deputados e da nobre função da defesa do Povo na Assembleia (risos, na parte final).
Bom, serão necessárias mais evidências para relatar esta situação de falta de transparência e de promiscuidade entre o exercício de um cargo que, aparentemente, de manhã fiscaliza a atividade do órgão executivo (governo) e à tarde presta um serviço para o qual é cobrada a respetiva fatura? É isso que vejo e constato na Assembleia Legislativa Regional da Madeira: colegas deputados no exercício da função fiscalizadora ao governo, e simultaneamente a faturar ao mesmo governo que juraram inspecionar.
Termina-se, novamente, com um extrato da Bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga: “Alguém pode atender um cliente de manhã e fazer uma lei à tarde capaz de abstratamente beneficiar esse cliente”.
Élvio Sousa | Diário de Notícias Madeira | 11-09-2016
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