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REVISTA DE 2015

Sexo depois dos 50 anos no TEDH

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O Tribunal Europeu dos Direitos dos Direitos Humanos recebeu uma queixa da portuguesa que viu o Supremo Tribunal Administrativo reduzir-lhe o valor de uma indemnização por ter ficado impedida de ter relações sexuais com normalidade na sequência de uma operação. Justificação dos juízes: o sexo após os 50 anos já não tem o mesmo valor.

O advogado da queixosa, Vítor Parente Ribeiro, sustenta que os magistrados violaram vários artigos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Alegando que a decisão dos juízes conselheiros do Supremo discrimina esta mulher "em função do sexo, da idade e de ter sido mãe", sustenta que a sentença revela o "desprezo pelo direito ao sexo" e o "desconsidera" como "elemento essencial a um casamento feliz".

Para reduzirem em 30 mil euros o valor da indemnização estipulada pela primeira instância por danos não patrimoniais, os juízes do Supremo Tribunal Administrativo alegaram, entre outros argumentos, que a vítima de negligência médica "já tinha 50 anos e dois filhos", isto é, "uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança".

Sem mais hipóteses de recurso em Portugal, depois de o polémico acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ter transitado em julgado no final de Fevereiro, a mulher, hoje com 69 anos, decidiu recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Antes disso, a procuradora-geral-adjunta junto deste tribunal ainda tentou arguir a nulidade do acórdão, mas os juízes mantiveram-no na íntegra.

Na exposição de motivos da queixa agora apresentada, a defesa considera que os juízes conselheiros ignoraram que o homem e a mulher "são, pela sua natureza, seres sexuais" e que não levaram em conta "vários estudos científicos" que demonstram que "uma larga percentagem de mulheres tem uma vida erótica mais satisfatória entre os 50 e os 60 anos do que antes".

Foi depois de ter sido operada a um problema ginecológico trivial, na Maternidade Alfredo da Costa, há 19 anos, que esta empregada doméstica ficou com uma incapacidade permanente de 73%, por lhe ter sido parcialmente lesado o nervo pudendo, durante a intervenção cirúrgica.

"Pode ter relações sexuais, mas com muita dificuldade", refere a decisão de primeira instância, que estabelecera uma indemnização de 172 mil euros, para compensar o facto de ter ainda ficado com dificuldades em sentar-se e andar e passado a sofrer de incontinência urinária e fecal. Ficou ainda provado que a mulher, que era casada na altura, passou a sofrer de "perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal", além de sentir dores e mau estar constante.

"O facto de não ter relações sexuais e, nessa parte, ter visto a sua vida conjugal terminada, faz com que se sinta uma pessoa diferente das demais, diminuída como mulher", reconheceram os juízes, notando que o quadro depressivo motivado pela irreversibilidade da situação a fez ponderar o suicídio.

O caso andou pelos tribunais anos a fio, com a maternidade a argumentar que os factos tinham prescrito e a alegar até que os problemas não haviam sido provocados pela cirurgia mas pelos dois partos que ela fizera e por uma intervenção às hemorróidas a que se submetera.

Em Outubro de 2013, porém, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa condenou a instituição a pagar os 172 mil euros, acrescidos de juros.

Apesar de reconhecer a incapacidade e o sofrimento causado, o Supremo Tribunal Administrativo baixou a compensação para 111 mil euros. Entre outras razões, por considerarem os juízes que a operação "mais não fez do que agravar uma situação anterior já difícil", dado que a empregada doméstica já antes padecia de "dores insuportáveis e sintomas depressivos". E a indemnização por danos não patrimoniais passou de 80 mil para 50 mil euros.

A sentença foi noticiada pelo New York Times, que citou um professor de Direito da Universidade Católica, João Gama, numa comparação com o caso de um homem de 55 anos que passou a sofrer de problemas de erecção depois de a sua próstata ter sido indevidamente removida. Recebeu uma indemnização de cem mil euros. "Os tribunais valorizam as vidas sexuais dos mais velhos se forem homens e ricos", observou o docente.

Alexandra Campos e Ana Henriques | Público | 09-04-2015

Comentários (4)


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Ora aí está um exemplo do que não se deve escrever numa sentença.
Ai Ai , 10 Abril 2015 - 00:43:26 hr.
Denise telefona
Se uma relação conjugal termina porque há um problema orgânico, algo está mal na essência dessa mesma relação. Afinal, o que é uma relação? Nada mais do que uma queca, de x em x tempo?...
Que subtileza, que cumplicidade, que criatividade foi possível construir entre duas pessoas ao longo de tantos anos?... Nada mais do que o formato primariamente considerado?... Sem qualquer evolução, sem qualquer crescimento?...
A sexualidade é muito mais do que esta abordagem, exclusivamente focada na concretização primária de uma dada funcionalidade orgânica.
A verdade é que o sexo está na nossa cabeça. Neste contexto, a imaginação não tem limites e a concretização do prazer (mais ou menos construído) pode assumir formas razoavelmente interessantes.
Até o célebre e organicamente desejado orgasmo pode ser alcançado sem a dita penetração...
[enfim, não tenho a veleidade de vir para aqui dar lições...]
A título de nota, posso dar um exemplo que à primeira vista poderá parecer um pouco caricatural, mas que, na verdade, reflete a pura realidade: sugiro o visionamento do filme «Denise telefona», no qual tudo acontece e de forma bastante divertida... (Tudo acontece por... telefone...)

Sexualidade é tudo o que fazemos, todos os dias em todas as circunstâncias, nos mais diversos formatos...
É uma questão de pele... é o olhar penetrante, é a partilha das coisas mais triviais e aparentemente inocentes... são as relações de poder, nas suas mais diversas manifestações... é um bom mergulho no mar... é uma boa sesta, uma boa noite sono (está demonstrado que dormir é a atividade que dá mais prazer e uma das mais revigorantes para o organismo)...

O prazer sexual - dizem os cientistas - é, na sua essência, uma descarga energética num curto espaço de tempo, de que resulta um óbvio alívio, primariamente em termos bioquìmicos..
Agora imaginem as múltiplas (infindáveis) maneiras possíveis para que se dê tal dissipação energética...

Outra questão prende-se com os hábitos...
O Homem é um animal de hábitos e o que parece ser mais difícil é precisamente a alteração desses mesmos hábitos, a adoção de novas metodologias, a opção por novas práticas..
Esta dificuldade atravessa todas as dimensões da nossa vida e limita fortemente o encontro de soluções num quadro de respeito pelas pessoas e suas vivências / projetos de vida...
Giulia , 10 Abril 2015 - 14:05:13 hr.
Saúde não se compadece com criatividades lúdicas...
«... dificuldades em sentar-se e andar e passado a sofrer de incontinência urinária e fecal. (...) "perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal", além de sentir dores e mau estar constante.»

Isto sim, é verdadeiramente grave e fortemente limitativo de uma vida confortável e normal...
Giulia , 10 Abril 2015 - 14:10:53 hr.
...
Espero que o relator seja um certo juiz que condenou uma testemunha num processo crime que nem sequer suspeito era no processo... e que o STJ, naturalmente, absolveu! Não sei é se isso chegou ao TEDH...
libertário , 10 Abril 2015 - 15:23:55 hr.

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