Primeiro transplante renal com dador de nacionalidade estrangeira foi realizado no Hospital de Santo António após autorização judicial.
Foi preciso criar jurisprudência porque a questão era inédita em Portugal. Uma insuficiente renal teve de obter autorização judicial para receber da mãe o órgão que lhe devolve uma vida sem limitações.
Larisa nasceu na ilha do Sal, Cabo Verde, há 24 anos e há seis deixou a mãe e os dois irmãos mais novos para estudar em Portugal. Já estava no Porto quando fez umas análises de rotina e descobriu que padecia de insuficiência renal. Uma grande surpresa porque não apresentava quaisquer sintomas, além de "muita vontade de beber e urinar".
Em 2012, começou a fazer diálise, três vezes por semana, e foi inscrita na lista para transplante de dadores cadáveres, explica a nefrologista Manuela Almeida, do Centro Hospitalar do Porto (que integra o Hospital de Santo António).
Volvido um ano sem que surgisse um órgão, abriu-se uma nova esperança: a mãe fazer uma doação. Foram realizados estudos de histocompatibilidade que comprovaram que o rim de Sónia da Graça provavelmente seria bem aceite pelo corpo da filha. Do ponto de vista médico, não havia obstáculos, até porque a realização de transplantes de dadores vivos é já um procedimento rotineiro em Portugal.
O problema que se colocou foi de ordem jurídica devido ao ineditismo do caso. Já tinham sido realizados transplantes envolvendo cidadãos estrangeiros, mas nunca de residentes fora de Portugal.
Apoio médico para dadora
"O Instituto Português do Sangue e da Transplantação emitiu uma recomendação e determinou que era necessária uma autorização judicial", explica Rui Almeida, diretor de transplantação do CHP. O parecer, enviado a todos os hospitais com atividade de transplantação, alertava, entre outras questões, para a necessidade de garantir acompanhamento médico adequado ao dador depois de regressar ao seu país de origem.
Larisa, na qualidade de beneficiada, teve de interpor um pedido de autorização judicial para receber o rim que a mãe lhe queria oferecer. "A juíza exigiu muita documentação, ouviu a equipa médica e quis acautelar todos os aspetos. Tratou do processo quase como se fosse uma herança. Até quis saber se os outros filhos não se sentiriam lesados pelo facto de a mãe doar um rim a uma das filhas", explica o responsável da transplantação.
Em janeiro, o tribunal autorizou a doação e, a 24 de fevereiro, foi feita a colheita do rim de Sónia e o respetivo transplante em Larisa. "Passei o meu aniversário, que é no dia da mulher, no hospital. Foi o melhor presente que podia ter porque agora vou passar a ter uma vida sem limitações", recorda Larisa.
A intervenção cirúrgica foi um sucesso e, em breve, Sónia deverá regressar a casa, no Sal. "Vim por um ou dois meses. Já cá estou há oito. Tenho o coração dividido, porque deixei os meus mais novos lá e tenho a Larissa aqui."
Larisa vai continuar o seu caminho por cá. Estudou informática, mas o que gosta mesmo é de trabalhar com crianças, principalmente as que têm necessidades educativas especiais. E no coração alimenta um sonho: conseguir ter condições para reunir a mãe e os irmãos em Portugal.
Helena Norte | Jornal de Notícias | 22-03-2015
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