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REVISTA DE 2015

Cidadãos juízes

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País conta com mais de 1400 juízes sociais: voluntários chamados a intervir nos processos de promoção e proteção de crianças Magistrados destacam mais-valia destes cidadãos nos tribunais.

OS TRIBUNAIS de Família e Menores contam, cada vez mais, com a presença de cidadãos sem formação jurídica para ajudar a decidir sobre os processos mais sensíveis, como a entrega de uma criança para adoção. São os juízes sociais, que se sentam ao lado dos juízes de carreira, fazem perguntas e são ouvidos na elaboração da sentença.

Constituem uma "verdadeira administração da justiça pelo povo", explica, ao JN, o juiz António José Fialho, da secção de família e menores do Barreiro (Comarca de Lisboa). No seu entender, a mais-valia introduzida por este modelo consiste "na visão diferente que podem trazer estes cidadãos à aplicação de determinadas medidas por parte do tribunal".

Mais de 1400

Atualmente, estão nomeados mais de 1400 juízes sociais. Mas, devido à reorganização judiciária, aquelas nomeações estão a ser adequadas às novas comarcas. Até dezembro tinham sido nomeados em "Diário da República" 90 juízes sociais para seis das novas comarcas.

Os juízes sociais são voluntários que possuem formações e profissões distintas. Porém, na grande maioria, trabalham com crianças e adolescentes. "Curiosamente, no Barreiro temos neste momento dois juizes sociais ligados à área da saúde, o que é uma novidade", prossegue António José Fialho.

O juiz de direito revela que em alguns casos as opiniões entre juizes (profissionais e sociais) dividem-se mas, no final, conseguem-se harmonizar. São "mais as vantagens do que as desvantagens. Além de que essa decisão compromete também os elementos da sociedade conjuntamente com o tribunal", explica ao JN.

Visão humana

Também os procuradores elogiam o recurso a esta figura. "Dão uma visão do outro lado. Não técnica, mas humana", defende Judite Babo, da direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que desempenhou funções no tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia entre 2007 e 2014.

A procuradora elogia o "envolvimento" dos voluntários nos processos. "Inteiram-se previamente da situação em questão, são intervenientes, colocam questões quando precisam de esclarecimentos", adianta.

CLÁUDIA MANATA
Professora do 3.º Ciclo cumpre o segundo mandato na secção de Família e Menores do tribunal de Sintra
Explicar aos menores o que lhes está a acontecer

O primeiro processo que lhe chegou às mãos foi, conta, o que mais a marcou por se tratar da decisão de retirar definitivamente duas meninas da tutela da mãe.

"As crianças foram ouvidas e, sobretudo a mais velhinha, que tinha nove anos, disse que 'não podia fazer mais nada pela mãe' e que queria mesmo ser adotada, queria uma família", diz Cláudia Manata.

A cumprir o segundo mandato como juiz social no tribunal de Família e Menores da comarca de Lisboa Oeste - Sintra, desta vez como suplente, a professora do 3.° Ciclo revela uma opinião positiva dos magistrados. "Os juízes no tribunal de Sintra são pessoas que eu acho muito sensatas. Tanto o juiz como o procurador esgotam todas as hipóteses".

No caso daquelas duas crianças, exemplificou, à mãe "foi-lhe dado tudo". Desde "apoio a nível de formação profissional, consultas de tratamento e recuperação do álcool, a que ela faltava, e de psicologia". Mas a mãe "não conseguiu sair daquele ciclo vicioso" e as crianças, que já se encontravam institucionalizadas, acabaram por entrar no sistema de adoção. "A minha preocupação é que as crianças percebam o que lhes está a acontecer", frisa.

Cláudia Manata candidatou-se ao cargo porque se encontra destacada no Instituto de Apoio à Criança (IAC). "Estamos muito próximos dos casos que chegam aqui e que o IAC ajuda a resolver ou encaminha para outras entidades competentes no âmbito da proteção de menores e do apoio às famílias". E também porque possui uma pós-graduação na área das violências: "Achei que tinha competências e era bastante interessante poder também ajudar nesta área".

Considera que os magistrados têm muito em conta as opiniões dos juizes sociais. E se estes não estiverem presentes, as sessões são adiadas. "Acho que a ideia é pôr pessoas que não dominam as leis a analisar as situações de um ponto de vista mais afetivo e técnico relativamente a alguns aspetos". Por exemplo, que a pena seja cumprida durante um ano letivo ou a questão do acompanhamento para que desenvolvam competências sociais.

"Alguns destes miúdos são de uma frieza assustadora. Não têm laços, não reconhecem autoridade nenhuma. A família já há muito tempo que desistiu deles ou não é capaz de dar a volta".

Além deste processo, os restantes que acompanhou foram situações de crimes praticados por menores. "Houve o caso de uma família que me impressionou, em que todos os cinco filhos já estavam na marginalidade, incluindo a miúda mais nova que nesta altura tem 12 anos".

Segundo veio a apurar-se, a mãe tinha conhecimento dos atos e era conivente com a sua prática. "Estas mães partem do princípio que os miúdos como são menores não vão ter penas. Enganam-se. Para eles é o princípio do fim", lamenta.

"Estive em mais do que um julgamento com os mesmos miúdos, mas em processos diferentes. Um dos miúdos, com 14 anos, já tinha 21 processos às costas", relembra esta juíza social.

CRISTINA BRASETE
Juíza social desde 2005, em Viseu.
Fala da importância de juntar a sensibilidade à lei, mas diz ter um poder "assustador"
"Nenhuma solução parece boa, a lei é muito curta"

Quando Cristina Brasete, de 52 anos, foi convidada por um vereador da Câmara Municipal de Viseu para integrar a lista de juízes sociais aceitou, quase sem saber para o que ia, admite a engenheira, diretora da Escola Básica Integrada e Secundária Jean Piaget, professora de Matemática e empresária. "Talvez tenha sido convidada pela minha ligação às crianças e jovens, mas não tinha a noção da responsabilidade do cargo", diz.

A lista de 21 cidadãos (15 efetivos e 6 suplentes) aprovada pela Assembleia Municipal e publicada em "Diário da República" fica à disposição do juiz do Tribunal de Menores que chama dois elementos sempre que há um caso para resolver.

Apesar dos mandatos serem de dois anos, exercidos em regime de voluntariado, Cristina Brasete tem sido reconduzida desde 2005 e já viu de tudo. "Os casos de menores vítimas de maus-tratos deixam-me doente", confessa. As crianças afastadas dos pais "só porque não têm condições económicas, deixam-me angustiada", acrescenta.

Também se pronuncia acerca de jovens que cometem pequenos delitos. "Quando recebo uma convocatória do Tribunal até me custa abri-la. A primeira coisa que vejo no processo é a idade da criança", confessa. A seguir tenta recolher o maior número de informações para chegar ao parecer mais justo, ainda que tudo lhe pareça injusto. Às vezes, passa noites em branco. Revolta-se contra as "certezas" das assistentes sociais, contra a limitação da lei.

"Nenhuma solução parece boa, a lei é muito curta. Por mais que apeteça aplicar outras soluções, não podemos", diz num tom frustrado, dando um exemplo: "Retira-se uma criança a uma família só porque esta está com dificuldades económicas. A solução devia passar por ajudar a família, mas a criança tem de ser institucionalizada", lamenta Cristina Brasete que considera "assustador" o poder que tem nas mãos.

Antes de decorrerem as audiências nos tribunais, os casos são analisados pelo juiz e por dois cidadãos (juízes sociais), que por estarem em maior número somam mais poder. Chegam a acordo com facilidade, mas a professora considera "fundamentais" os pareceres dos cidadãos. "As pessoas ligadas à Justiça estão mais longe da realidade, tomam decisões mais frias, o que também é importante porque têm como função aplicar a lei. Nós incutimos outra sensibilidade, temos a experiência da vida, envolvemonos mais emocionalmente", defende, consciente da aprendizagem que fez com estas realidades. "Seria mais feliz se não conhecesse estes casos", admite.

Desde setembro passado foi chamada a pronunciar-se quatro vezes. "É atípico", diz, atendendo que, em média, é convocada duas a três vezes por ano. Não sabe até quando vai exercer o cargo, nem tal a preocupa. "Ser juíza social faz parte da minha maneira de ser. Na escola sou juíza social todos os dias", conclui.

Ana Gaspar e Sandra Ferreira | Jornal de Notícias | 26-01-2015

Comentários (2)


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Boa Tarde!

"As pessoas ligadas à Justiça estão mais longe da realidade, tomam decisões mais frias, o que também é importante porque têm como função aplicar a lei......"
Como se completa o desconhecimento da realidade, com a tomada de decisão por aplicação da lei tout court? Estarei enganado ou Oliveira Ascensão ensina na sua Introdução ao Direito, que a aplicação da lei não se subsume ao artigo da lei e à aplicação da pena respectiva pela sua violação, antes busca os elementos que conduziram à sua violação?
Mas é verdade que as pessoas ligadas à justiça estão longe da realidade, já não formulando a sua ideia apenas em valores pessoais adquiridos, mas também em muitos artigos de imprensa, sobretudo dos títulos com mais impacto social, daqui considerando que existe alarme social, quando o dito alarme é criado pelas notícias com laivos de parcialidade.
Mas que a ideia é boa, é. Poderia ela ser estendida a outros tipos de casos? Ou melhor, poderia existir nos tribunais penais, um juiz social, com benefícios para a Justiça? Isso é que já não estou tão certo, mas acredito que poderia ser estendido das adopções para os divórcios, sobretudo para as decisões de guarda de menores.
Orlando Teixeira , 26 Janeiro 2015 - 16:11:21 hr. | url
Juiz Social
Para quando as candidaturas para este ano 2018?
Rogério Rosa , 27 Janeiro 2018 - 22:25:11 hr. | url

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