Foi criado um tribunal próprio e todos os reguladores passaram a aplicar coimas, mas ainda é o Governo quem os nomeia
Dois anos depois de a nova lei quadro das entidades reguladoras ter sido publicada, e o Estado ter praticamente deixado de ser acionista de empresas, há ainda um longo caminho a percorrer face à independência e ao poder dos reguladores. A questão é complexa. Há progressos, mas há também vozes a dizer que as alterações se limitaram a cumprir exigências da troika.
Foi criado, em Santarém, um tribunal específico para a Regulação e Concorrência e os mandatos foram limitados a um, não renovável. E a nova lei, que abrange nove dos 12 reguladores portugueses (nas áreas das comunicações, mercados, concorrência, energia, saúde, aviação, ambiente, seguros e transportes), deu a todas as entidades poderes sancionatórios. A expectativa do Governo, particularmente em relação aos novos reguladores, o da aviação civil (ANAC) e o dos transportes (AMT), é que haja um trabalho acelerado na regulação económica. Foi isso que o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, lhes pediu. O modelo a seguir é a Anacom.
Abel Mateus, economista e primeiro presidente da Autoridade da Concorrência (AdC), aponta algumas questões que ficaram por resolver. Não houve, diz, "uma alteração significativa dos regimes já existentes"; nos poderes de investigação tudo funciona como funcionava antes; a nomeação das administrações continua a ser feita pelo Governo, e há falta de accountability, ou seja, de avaliação das medidas. "Preferia que a nomeação do conselho fosse feita por concurso público e a escolha por um comité de personalidades de elevada competência nacional e internacional. O papel da Assembleia da República no processo de escolha não é claro". A nomeação do conselho, diz, "é o elemento fundamental para assegurar a independência e a competência".
O ex-presidente da AdC aponta como positiva a consagração, pela nova lei, da independência administrativa, financeira e decisória e a existência de um mandato único. Já a criação do tribunal levanta-lhe dúvidas: "Há prós e contras na uniformização". E elenca os contras: "O 'isolamento' que um tribunal específico pode criar e o desinteresse dos juízes neste órgão, na medida em que poderá atrasar a sua carreira. Outro perigo é o de concentrar conflitos entre tribunal e regulador, o que uma solução mais alargada, como um departamento no Tribunal de Relação, poderia resolver".
Gonçalo Anastácio, sócio da SRS Advogados, observa, por seu turno, que "o poder e independência dos reguladores são altamente variáveis entre os chamados reguladores independentes". O advogado nota que os orçamentos podem ser "um mecanismo potencial de condicionamento" e alerta que os mecanismos de transparência "não acompanharam a intensidade do aprofundamento da independência". A criação do tribunal, diz, "tem permitido progressos na qualidade e celeridade das decisões". Quanto à capacidade de dissuasão de comportamentos ilícitos, o advogado salienta que o efeito prático das coimas "varia imenso, dependendo dos reguladores".
A verdade é que boa parte das sanções aplicadas às empresas é contestada. A ANAC (regulador da aviação), por exemplo, já aplicou coimas de €2,3 milhões, mas até ao momento apenas encaixou €1 milhão, estando o restante em cobrança coerciva ou em litígio judicial. A AdC já aplicou coimas superiores a €160 milhões, mas a maior parte delas foi anulada ou reduzida após o recurso aos tribunais. O regulador da saúde teve em 2014 um valor recorde de coimas. E a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, um regulador com vasta experiência nesta matéria, já aplicou, desde 1991, 757 coimas, num montante global de €33,5 milhões. O leque de sanções em Portugal é vasto. Mas será suficiente para induzir um cumprimento maior das regras?
Anabela Campos e Miguel Prado | Expresso | 22-08-2015
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