A relatora do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Gabriela Knaul, afirmou hoje que o poder judicial português "não pode estar de joelhos, com o chapéuzinho na mão, aguardando recursos financeiros e administrativos" para funcionar. A relatora especial da ONU falava em conferência de imprensa, em Lisboa, após uma visita de oito dias a Portugal para elaborar um relatório sobre o sistema judiciário, em que também serão abordadas questões ligadas ao acesso à justiça, tribunal constitucional, reforma do mapa judiciário, estatuto dos magistrados e violência doméstica.
"O que me preocupa mais no que diz respeito a Portugal é, realmente, a questão orçamental", sublinhando Gabriela Knaul, observando que o poder judicial "não pode estar de joelhos" e de "chapeuzinho na mão" à espera que lhe sejam dados recursos financeiros, administrativos e outras medidas, tudo isto sem "poder fazer nada" enquanto os "prazos passam" e não se apuram responsabilidades pelas falhas do sistema.
Lembrou, a propósito, que tanto os orçamentos para os Tribunais da Relação e de primeira instância e do Ministério Público são atualmente administrados através do Ministério da Justiça, o que "parece limitar as possibilidades de responsabilização de juízes e procuradores pela eficiência na execução das suas atividades".
A relatora da ONU recomendou, assim, que seja dada maior autonomia orçamental, financeira e administrativa aos tribunais e ao Ministério Público".
Gabriela Knaut considerou, por outro lado, que o Tribunal Constitucional (TC) tem um papel central na preservação de direitos e garantias conquistados com a democracia e que é "sabido que o TC está sob fortíssima pressão em razão da fiscalização que fez de medidas tidas por muitos como inconstitucionais, adotadas pelo poder executivo a fim de reduzir gastos públicos".
O facto de o TC ter declarado a inconstitucionalidade de algumas dessas medidas foi mencionado por diversos interlocutores como um "indicador da independência do judiciário português", disse.
Defendeu que Portugal deve garantir que a justiça seja "acessível a todos", numa altura em que o risco de pobreza atinge hoje um em cada cinco portugueses. Também os reclusos devem ter o direito a serem defendidos por um advogado.
"As dificuldades no acesso à justiça têm um impacto ainda mais alarmante em grupos que são particularmente vulneráveis à violência, tais como presos, mulheres, crianças e adolescentes", referiu Gabriela Knaut, acrescentando que a violência doméstica também é reconhecida pelo governo português como "uma grande preocupação".
Quanto à reforma do mapa judiciário, a principal preocupação detetada prende-se com a "rapidez com que as mudanças ocorreram num sistema que tinha problemas evidentes e que não estava completamente apto a mudar o seu funcionamento de maneira acelerada".
"O colapso do sistema informático (CITIUS), em setembro, é talvez o indicador mais preocupante da excessiva pressa na condução da reforma judicial", notou.
A visita de Gabriela Knaul insere-se na preparação de um relatório sobre o sistema judicial português, que será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos, em junho deste ano.
A perita independente da ONU esteve em Lisboa, Porto e Coimbra, onde se encontrou com representantes do Estado, juízes e procuradores, bem como advogados e membros da sociedade civil e das universidades.
Lusa/Notícias ao Minuto | 03-01-2015
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