In Verbis


icon-doc
REVISTA DE 2015

Ministra manipulou dados sobre pedofilia

  • PDF

Taxa de reincidência em Portugal é de 18%, e não de 80, como diz Paula Teixeira da Cruz para justificar lista de abusadores > Números dos serviços prisionais desmentem ministra. 

Cerca de 18% dos abusadores de menores foram condenados mais do que uma vez, revelou ao Expresso a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). A reincidência fica muito longe dos valores avançados pela ministra da Justiça - cerca de 80% -para justificar a criação da polémica lista nacional de agressores sexuais de crianças, já aprovada em Conselho de Ministros e que poderá vir a ser consultada a pedido dos pais.

Num debate realizado este mês na Universidade do Porto, Paula Teixeira da Cruz garantiu que "todos os estudos que existem dão conta de altíssimas taxas de reincidência" e que em Portugal "há um estudo muito completo, que aponta para uma taxa de reincidência de 80%". Não foi a primeira vez que utilizou este argumento, agora desmentido pelo próprio organismo que tutela.

O valor de reincidência divulgado pela DGRSP (17,6%) abrange não apenas os abusadores de menores que cumpriram pena mais do que uma vez por este crime, como também os agressores sexuais de crianças que acumulam no cadastro outro tipo de delitos. Os serviços prisionais garantem que não existem dados específicos sobre o primeiro caso (recidiva), mas a percentagem é necessariamente inferior. O que se sabe é que no universo de todos os agressores sexuais (não só de crianças), só 5,4% têm antecedentes na mesma tipologia de crime.

O Expresso confrontou a ministra da Justiça com os números dos serviços prisionais, que a contradizem, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.

Se tivermos em conta todos os tipos de crimes, a taxa de reincidência dos reclusos condenados a penas de prisão efetiva superiores a seis meses é de 24% a nível nacional, de acordo com o último estudo da DGRSP sobre esta matéria, realizado em 2009.

Segundo a juíza Helena Susano, autora de uma tese de mestrado sobre a reincidência em Portugal, o tráfico de droga, o furto e o roubo "lideram destacadamente" os crimes com maior número de recaídas por parte dos condenados.

Lei retroativa

Aprovada em Conselho de Ministros há duas semanas, a proposta de lei do Governo, que ainda terá de ser votada no Parlamento, cria uma base de dados que reúne informação sobre os condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menores, nomeadamente o nome e a localização, que os pais podem pedir à polícia para consultar, caso tenham "fundado receio" relativamente a um vizinho, por exemplo.

Consoante a duração da pena, variará o tempo em que o nome constará da lista: cinco, dez, quinze ou vinte anos, conforme o agressor tenha sido condenado até um ano de prisão, entre um e cinco anos, entre cinco e dez e mais de dez anos de cadeia.

Segundo o Ministério da Justiça, a base de dados vai integrar não só os abusadores que vierem a ser condenados após a entrada em vigor do diploma, como também os que estão neste momento a cumprir pena (338, no total) e até os que já a cumpriram e se encontram em liberdade, mas cuja data e duração da sentença os coloca no período obrigatório de registo. Assim, a base de dados deverá conter mais de 2500 nomes, tantos quantos os portugueses que foram condenados por crimes sexuais contra crianças nos últimos dez anos. Ou seja, a lei vai ter efeitos retroativos.

Este é um dos aspetos mais polémicos. "É totalmente inadmissível e absolutamente inconstitucional", critica o constitucionalista Jorge Miranda. E acrescenta: "Admito, e mesmo assim com enormes reservas uma vez que põe em causa o princípio da ressocialização, que se aplique aos que forem condenados após a lei entrar em vigor. Nunca aos que foram antes."

O Ministério da Justiça contrapõe que "o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos aceitou a natureza do registo enquanto medida preventiva da reincidência, não a tendo considerado como uma pena acessória". Por isso, adianta ao Expresso o gabinete de Paula Teixeira da Cruz, "não se põe a questão da retroatividade".

O argumento não convence o especialista em Direito Constitucional Jonatas Machado: "Mesmo que não seja uma pena acessória, é uma restrição aos direitos, liberdades e garantias e a Constituição estabelece que nenhuma lei que o faça pode ter efeitos retroativos."

Ainda não há data marcada para a discussão do projeto de lei na Assembleia da República, mas já é certo que este será viabilizado pela maioria PSD/PP. Garantida é também a sua passagem pelo Tribunal Constitucional - mesmo que Cavaco Silva não o envie para o TC, o PS já anunciou que irá pedir a fiscalização do diploma, depois de este entrar em vigor.

Abusos dentro da família

Para a oposição, a criação desta lista representa um regresso à "justiça do apedrejamento". Teme-se que o conhecimento público da identidade e localização de agressores possa originar casos de linchamento popular. Após a libertação, os condenados têm de confirmar anualmente a sua morada às autoridades, comunicar qualquer alteração e indicar o seu paradeiro sempre que se ausentem de casa por mais de cinco dias, por exemplo para gozar férias.

O MJ defende que o acesso por parte dos pais de menores de 16 anos a esta informação relativa aos pedófilos residentes no seu concelho, na zona da escola dos filhos ou na área onde estão a passar férias "é plenamente justificado". Na exposição de motivos do projeto de lei, o ministério invoca estudos que concluem que os abusadores cometem os crimes perto da residência e que as potencias vítimas "são precisamente as crianças que residem na sua vizinhança".

De fora, porém, ficam os crimes cometidos dentro da família. "Em 70% dos casos, os abusos são intrafamiliares", diz ao Expresso Anabela Neves, médica forense do Instituto Nacional de Medicina Legal de Lisboa.

Joana Pereira Bastos e Raquel Moleiro | Expresso | 28-03-2015

ADITAMENTO (28-03-2015)

Comunicado do Ministério da Justiça sobre a manchete do Expresso

«O Artigo que hoje o Expresso publica com o título "Reincidência de pedófilos é de 18%" não corresponde à verdade, tendo o Semanário, senão manipulado os dados que lhe foram enviados, pelo menos interpretado mal uma matéria que desconhece:

- Os dados que a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais enviou ao Expresso, reportam a um estudo efetuado com uma amostra de reclusos autores de diferentes tipologias de crimes sexuais que frequentaram, em dado momento do tempo, os programas dirigidos a esta problemática específica. Trata-se, pois, de informação restrita à amostra estudada e circunscrita ao tempo em que decorreu a sua realização e que se enquadra na metodologia de desenvolvimento e avaliação dos programas, e não são dados estatísticos, nem se referem exclusivamente a pedófilos, ao contrário do que o Expresso afirma na sua edição de hoje.

- De acordo com dados científicos, dentro do "saco" que denominamos de predadores sexuais de crianças /adolescentes, temos de distinguir :

1- Os PREDADORES denominados por alguns autores como - secundários ou situacionais - que são indivíduos com comportamento habitual de tipo heterossexual com adultos, geralmente não sendo pedófilos e que em circunstâncias limite, como em situações de alcoolismo, abuso de drogas, solidão, stress intenso, passam a situações nas quais as vítimas são crianças (não podemos esquecer que as crianças /adolescentes, são menos "exigentes em termos de performance sexual" e portanto funcionam como "objetos que dão prazer sem contudo sofrerem o risco do confronto com sua inaptidão para um ato satisfatório não tendo os predadores uma vez mais de se confrontarem em termos de auto-estima.)

2- A pedofilia tem como características a reter (e citamos,DSM-IV da American Psychiatric Association), atividade sexual com crianças pre-puberes (sem carateres sexuais secundários ainda);
a) terem fantasias sexualmente excitantes com crianças, impulsos sexuais e comportamentos intensos e recorrentes durante pelo menos 6 meses- implicando estes sim crianças pre-puberes;
b) podem estes atos causar mal estar clinicamente visível ao próprio, incluindo dificuldades nas relações interpessoais.
Nos casos de pedofilia devemos estar atentos aos casos de:
- tipo exclusivo- atraído APENAS por crianças;
- tipo não exclusivo (o que não o exclui do diagnóstico de pedófilo);
- limitado ao incesto.

Naturalmente que o tipo pedófilo exclusivo, terá um impulso sexual, do que se infere expectavelmente "intenso e recorrente"- o que é de perspetivar uma altíssima taxa de reincidência, como a Ministra da Justiça tem vindo a referir.

- É bom ter em atenção que no conjunto de todos os predadores sexuais, em termos estatísticos, as taxas de reincidência naturalmente que trazem consigo taxas inferiores, pois a maior parte dos estudos internacionais versam todo o conjunto de predadores e não se debruçam exclusivamente sobre os " pedófilos exclusivos", a que se tem referido a Ministra da Justiça.

- Por fim esclarece-se que a Ministra da Justiça em momento algum foi contatada pelo Expresso.»

Expresso | 28-03-2015

Comentários (0)


Exibir/Esconder comentários

Escreva o seu comentário

reduzir | aumentar

busy

Últimos conteúdos

Com o termo do ano de 2015, cessaram as publicações de conteúdos nesta Revista Digital de 2015.Para aceder aos conteúdos...

Relatório de gestão da comarca de Lisboa revela falta de dinheiro para impressoras, papel higiénico, envelopes e lâmpada...

Mudança ignorou dúvidas de constitucionalidade levantadas pelos dois conselhos superiores dos tribunais, pela Associação...

Portugal assinala 30 anos de integração europeia a 1 de Janeiro, e três décadas depois de ter aderido à então Comunidade...

Últimos comentários

Atualidade Sistema Político Ministra manipulou dados sobre pedofilia

© InVerbis | Revista Digital | 2015.

Arquivos

• Arquivos 2012 | 2013 |2014 |
Arquivo 2007-2011
Blog Verbo Jurídico
(findo)

Sítios do Portal Verbo Jurídico