A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, não aceita as críticas ao Governo, nem reconhece cabimento às referências sobre a falta de meios feitas pela procuradora-geral da República na entrevista que esta semana deu à Rádio Renascença e ao "Público". Joana Marques Vidal já por mais de uma vez tinha mostrado discordar de algumas das iniciativas da ministra — nomeadamente sobre a criminalização do enriquecimento ilícito e as listas de pedófilos — mas nesta entrevista insistiu no problema da falta de meios e criticou a "não definição de uma estratégia nacional de luta contra a corrupção".
Segundo disse a procuradora, "o Ministério Público, mais concretamente Portugal, nos diversos relatórios internacionais tem sido apontado como estando em falta quanto à não definição de uma estratégia nacional de luta contra a corrupção. O MP (...) está a fazê-lo". Em declarações ao Expresso, Paula Teixeira da Cruz, embora dizendo que "não comenta entrevistas, por muito respeito que lhe mereçam", acrescenta que "mais do que as palavras, valem os atos: veja-se o combate à corrupção e fraude no SNS, na Segurança Social e em outros sectores.
E ainda evidente o reforço de meios atribuídos à PJ, dos quais avultam, naturalmente, a nova sede nacional e o laboratório, bem como a indicação dada expressamente pela Ministra da Justiça de que as perícias não teriam de ser pagas".
A questão dos meios necessários para as perícias é formalmente referida pela PGR. Refere que estas ações, na área da investigação económico-financeira, exigem "técnicos cujo pagamento não se compadece com a lógica das tabelas de preços do Ministério da Justiça". A ministra contrapõe que "não só foram reforçados estes meios na PJ, com a admissão de mais peritos no final de 2014, como compete à PGR, no âmbito da respetiva autonomia financeira, a aquisição dos mesmos, sendo certo que sempre que tal é solicitado ao Ministério da Justiça é autorizado, como sucede, por exemplo, com o DIAP de Lisboa".
As divergências não se ficam por estes pontos. Refere Joana Marques Vidal que "neste momento não temos perspetiva para a existência de um curso para a formação de magistrados, que era importante e devia iniciar-se este ano". Reage a ministra: "Importa referir que entre 2012 e 2014 foram abertos cinco cursos" que permitiram formar 80 procuradores e 80 juizes e que "Portugal se encontra à cabeça dos países com mais magistrados do Ministério Público" por habitante.
A queixa pela falta de funcionários cria "problemas muito graves" pois "faltam 583 funcionários nos serviços do MP", diz a procuradora. Mas também aqui a ministra recusa responsabilidade por ter sido aberto "concurso para o ingresso de 600 funcionários judiciais, o qual se encontra a decorrer" e porque "está pendente uma providência cautelar interposta por um sindicato, que mantém suspensa a admissão de 400 oficiais de justiça".
Sobre os resultados no combate à corrupção, Paula Teixeira da Cruz aproveita para elogiar a atuação do seu Ministério e da Polícia Judiciária, mas não refere a Procuradoria, dizendo que "os resultados respeitantes ao combate à corrupção falam por si, impondo salientar a notável atuação da PJ, dotada de excelentes meios por este ministério, como é público e notório".
Naquilo que pode ser entendido como um recado para a procuradora, a ministra "saúda" a iniciativa de Joana Marques Vidal no que "concerne ao levantamento das anomalias, atrasos e desperdícios ocorridos no DCIAP até 2013, dependente da PGR, e cujas conclusões permitirão certamente uma maior racionalização dos meios afetos". A procuradora já tinha reconhecido que o "Ministério Público está a fazer o seu caminho, mas precisa de se articular melhor" e admitira que no processo dos submarinos "poderia ter tido um desempenho mais adequado".
Rui Cardoso, presidente do sindicato do Ministério Público, concorda com o pedido de meios feito pela procuradora-geral, "quer quanto a magistrados quer quanto a funcionários quer ainda no que diz respeito aos meios técnicos", situações agravadas pela reforma judicial e pelo crescente número de casos de grande complexidade. Segundo defende, a solução terá de passar pela autonomia financeira das magistraturas, pois "o MP não tem capacidade de obter os meios de que necessita e fica dependente de decisões do Governo" para as investigações. "Veja a 'Operação Furacão'. Se não tivessem sido dados meios não teria havido investigação", conclui. Elogia a PGR na sua decisão de passar a monitorizar mais de perto os processos para corrigir erros e afinar o que há para acertar. Mouraz Lopes, presidente da associação sindical das juizes, concorda com a referência de Joana Marques Vidal sobre a ausência de uma estratégia para combate à corrupção, que "tem sido feita ao sabor das circunstâncias e dos casos concretos. Não há uma política concertada, sobretudo do ponto de vista da prevenção — o que seria o mais importante". Sobre "a falta de meios, a senhora procuradora saberá melhor do que eu, mas tem razão quando constata que o combate à corrupção não é só uma questão criminal", vai a montante, às empresas e aos agentes, "pelo que não passa tudo pelo MP"
João Garcia | Expresso | 28-02-2015
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