Eleita a nova presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Maria José Costeira é a primeira mulher a chegar ao lugar de topo do organismo que representa quase dois mil magistrados. Candidata da continuidade, a juíza do Tribunal do Comércio de Lisboa defende uma nova imagem dos tribunais, com o juiz-presidente a dar a cara à comunicação social, a blindagem do estatuto e a revisão salarial. E receia que as metas fixadas para as comarcas sejam "irrealistas".
As violações ao segredo de justiça voltaram ao centro do debate com o caso Sócrates. Como se combatem as fugas?
Não podemos acabar com o segredo de justiça porque preserva a investigação e é uma garantia da reserva da vida privada dos cidadãos. Mas alguma coisa terá de ser feita. É urgente que o Conselho Superior da Magistratura e a PGR se sentem a discutir este problema a partir do relatório feito pela PGR há um ano...perceber as situações em que ocorre, se existe um padrão comum, onde estão os processos quando há fuga...
...isso não pode ser visto como perseguição ao magistrado?
Interessa a todos nós apurar de onde saem as fugas e quem não deve não teme. É preciso saber quem tem o processo quando há a fuga e é preciso, depois, restringir o número de pessoas que tem acesso aos processos em segredo de justiça. E passar a sancionar, eventualmente, quem dá a informação e quem a divulga.
O Governo está nesta altura a trabalhar no novo estatuto dos magistrados judiciais. De que forma pode o estatuto reforçar a independência dos juízes?
A independência pressupõe que o juiz está livre de qualquer tipo de pressão ou constrangimento que podem afectar a sua decisão. Tudo o que se relacionar com este tipo de pressão - processo disciplinar, inspecções ou remuneração - deve ser acautelado. Quando temos um juiz que tem sobre si um regime de inspecções que não é justo, o magistrado que sabe que está a ser inspeccionado ou que vai ser pressionado.
O que se tem dito, inclusive pela associação, é que as baixas remunerações dos juízes podem afectar a independência. É só uma questão de remuneração...
Não, esse tem sido um problema de comunicação. Não pomos sequer a hipótese de os juízes serem corruptos, não é isso que está em causa. Há quatro pilares que devem ser revistos no Estatuto para que se reforce a independência e se retire essa pressão aos juízes, a questão remuneratória é apenas uma delas. As outras são os processos disciplinares e o regime de inspecções, o novo modelo de gestão dos tribunais e o acesso aos tribunais superiores.
Mas em relação à remuneração, o que defende? Um aumento? um subsídio?
O ideal seria os juízes terem uma remuneração única, equilibrada e compatível com a função que exercem mas hoje, nas circunstâncias em que estamos, temos consciência que não é altura para fazer profundas alterações nas remunerações. No entanto, temos de ter uma estrutura lógica na remuneração, o que hoje não acontece. Um juiz desembargador ou conselheiro recebe praticamente o mesmo que um juiz de 1ª instância. Há aqui uma distorção e temos de corrigir a grelha salarial. O que defendo, além disto, é uma blindagem de todo o estatuto e não apenas da parte remuneratória. Todo o estatuto tem de passar a ser uma lei de valor reforçado porque aí sabemos que só por maioria qualificada pode ser alterado. Os juízes não devem, nem podem andar a negociar salários todos os anos.
Porque é que o novo modelo de gestão pode ser um factor de pressão?
Este novo modelo introduziu um factor de perturbação porque a figura do juiz-presidente é nova e o juiz-presidente tem poderes de gestão processual que não podem colidir com os poderes de gestão processual dos juízes. A lei não é muito clara e há uma parte que é até inconstitucional...já pedimos à PGR que peça uma análise ao Constitucional.
Que inconstitucionalidade?
No artigo que permite que os juízes sejam reafectados em secções diferentes daquelas onde foram colocados. Na nossa opinião é inconstitucional porque viola-se o princípio da inamovibilidade e o próprio estatuto diz que os magistrados só podem ser movimentados nos termos previstos nesse estatuto.
CSM acaba de fixar os critérios para que os juízes definam metas. Como se vai encontrar essa meta?
O que se está a tentar encontrar é o número de processos que o juiz vai ter por ano, só que não há um histórico, o CITIUS continua a não estar bem, não temos uma estatística fiável e não podemos ir buscar às antigas comarcas porque não tem nada a ver. A deliberação do CSM passa a ideia de que vão criar um número igual para todo o país e isso é o maior erro que se pode fazer. Temos de perceber a litigância de cada comarca e fazer uma amostragem para perceber, em 100 processos, quantos são complexos. Sem fazer isto vamos fixar objectivos irrealistas e isto inquina completamente o sistema.
É outra pressão sobre os juízes?
Não tenho nada contra os objectivos porque são uma forma de prestação de contas e esta é essencial. Mas este é um processo muito complexo, os juízes têm de ser ouvidos e o CSM tem de fazer este trabalho. A pressão que temos não é por haver objectivos, é por não termos certeza que as coisas estão a ser bem programadas e que os objectivos serão adequados. A associação vai apresentar um trabalho com dados, nem que seja para contraditar os que vão aparecer porque estamos convencidos que, se os objectivos forem mal fixados, as coisas não vão funcionar. E aí vamos ter um problema concreto do lado dos juízes.
O juiz-presidente vai assumir um papel de destaque nesta nova organização. Vai ser um gestor?
Vai ser um gestor de recursos humanos, um gestor financeiro, um gestor processual. Mas deve também ser a cara e voz da comarca. A comunicação social tem de ter alguém a quem se dirigir e os cidadãos têm de ter uma voz oficial. Essa voz terá de ser o juiz-presidente, essa é uma das minhas prioridades, mudar a imagem dos tribunais e trabalhar a comunicação.
Inês David Bastos | Económico | 24-03-2015
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Evolução na continuidade
Nas circunstâncias em que estamos, temos consciência que não é altura para fazer profundas alterações nas remunerações.
Nas circunstâncias em que estamos, temos consciência que não é altura para fazer profundas alterações nas remunerações.
As circunstâncias de penúria e de levar no lombo com alegre cara prosseguirão, portanto...
Como, aliás, a maioria dos juízes sindicalizados manifestou querer...
Sinais dos tempos...
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