Vogais do Conselho Superior da Magistratura apontam injustiças no último concurso de acesso aos tribunais da Relação e defendem alterações ao modelo.
O último concurso de acesso aos tribunais da Relação gerou muita discussão entre os vogais do Conselho Superior da Magistratura (CSM). É que, da lista dos 80 juizes candidatos a desembargadores, muitos com mais anos de experiência e melhores classificações de serviço foram ultrapassados por outros, que ganharam vantagem devido a trabalhos científicos, acções de formação, comissões de serviço fora dos tribunais e até artigos publicados em jornais.
Alguns membros do Conselho, incluindo o presidente e o vic-presidente, defendem que é preciso fazer alterações ao sistema de graduação dos juizes.
Segundo o estatuto dos magistrados judiciais, a avaliação de mérito (o trabalho nos tribunais) tem um peso de 60%, mas num concurso só valem as duas últimas classificações de serviço, ao passo que a avaliação curricular conta 40% mas, neste campo, é considerado todo o currículo universitário e pós-universitário dos candidatos, trabalhos científicos, ensino, formação e outras actividades exercidas fora dos tribunais. Já a antiguidade serve apenas para admitir os candidatos a concurso e não é considerado critério de avaliação, servindo apenas para desempate, caso dois juizes tenham a mesma graduação.
«É tempo de (...) questionar o modelo legalmente consagrado, com claro benefício de quem investe no currículo académico (por vezes, prejudicando até o serviço) e prejuízo de quem se assume (e quer ser) juiz, em exclusivo» – defendeu o vice-presidente do Conselho, Joaquim Piçarra, numa declaração de voto subscrita pelo presidente, Henriques Gaspar, e outros três vogais, que sugerem uma alteração do estatuto dos magistrados no que diz respeito ao modelo de acesso à categoria de juiz-desembargador.
O juiz Gonçalo Magalhães, outro vogal do CSM, foi um dos que optaram pela abstenção, precisamente por considerar injusto este sistema: «Custa-me constatar que juizes de Direito cuja craveira está bem espelhada nos relatórios das inspecções que recaíram sobre o serviço que prestaram ao longo de mais de duas décadas, tendo obtido, sem nota de qualquer mácula, mais de duas classificações de muito bom, tenham ficado graduados atrás de outros que, enquanto juizes de direito, não alcançaram o mesmo registo.
Mais ainda me custa ver alguns daqueles graduados atrás de juizes que (...) têm enfrentado dificuldades ao nível da adequação ao serviço».
O magistrado que ficou classificado em primeiro lugar no concurso, por exemplo, apresentou um rol de actividades extra-judiciais que perfaz quase 10 páginas, entre participações em conferências e palestras, docência e acções como perito convidado em organizações internacionais, além de moderador de debates. Outro juiz apresentou, entre outros trabalhos, uma lista com 10 artigos e entrevistas publicados em jornais diários.
Sónia Graça | SOL | 10-07-2015
Comentários (16)
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O mérito que deve que prevalecer na progressão dentro da carreira da magistratura e que deve ser avaliado para esse efeito é o que decorre do exercício diário da magistratura, no âmbito do desempenho da função judicial.
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Talvez um exemplo ajude: um excelente médico é aquele que usa os delicados instrumentos feitos pelos engenheiros biomédicos para tratar doentes. Ele tem de saber usar na perfeição esses instrumentos, mas já não tem de os saber desenhar e construir. E a sua qualidade enquanto médico afere-se pelo seu sucesso no tratamento dos seus doentes, tão só.
Com os juízes devia ser a mesma coisa. Para saber interpreter e aplicar as leis ao caso concreto não são precisos mestrados nem doutoramentos: é preciso, isso sim, um conjunto de características intelectuais e humanas que nada têm a ver com as teorias académicas nem com o jeito para ensinar nem com a capacidade para escrever tratados abstractos. São conhecidos vários casos de eméritos professores de direito que são incapazes de julgar um caso concreto, por não conseguirem dar o salto do imaculado, certo, frio, ordenado e linear mundo do abstracto para o caótico, quente, imprevisível, e desordenado mundo do concreto.
Mas não sejamos ingénuos: esta treta dos academismos dentro da judicatura não resulta de nenhuma lógica científica ou dogmática sobre a profissão: resulta tão só de ser um excelente meio para facultar o acesso aos tribunais superiores àqueles que se quer lá colocar, e para impedir o acesso àqueles que não são ....eh, digamos,... amigalhaços...
Critério materialmente inconstitucional
Não ocorreu dizer que um tal critério compromete a realização de uma tarefa fundamental do Estado? - e que por isso é inconstitucional, a ranhosice apontada?
Às vezes dá jeito folhear a Constituição, até para situações destas. Fica o modestíssimo conselho.
inconstitucional
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A Majestade do Poder
as regras cá de casa são as que estão e tu só tens que obedecer.
O Tribunal é o único órgão de soberania que representa o Povo na sua unidade e majestade, o qual por sua vez é também, conjuntamente com a família um órgão exterior para a sobrevivência da espécie..
Se lerem
Por isso os magistrados que estavam no CSM e na ASJP e também no SMMP se apressaram a tirar cursos de pós graduação, mestrados, etc. e a informarem os amiguinhos para seguirem o exemplo e multiplicaram-se os artigos na comunicação social e comissões de serviço.
Há quem esteja em comissões ad eternum (há mais de 10 anos) e sobe automaticamente sem voltar para os tribunais de comarca.
E isto desde 2005,data em que os tais bem encostados estavam a preparar-se para a corrida.
É só consultar o CV dos candidatos.
Só os ingénuos (embora com mérito pelo trabalho diário como magistrados) é que se deixaram ultrapassar...
E isto com o conluio do csm, da asjp, do movimento justiça e democracia...
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Impõe-se, por isso, corrigir o tiro e alterar, desde já, o regulamento, passando a considerar, numa média ponderada, toda a carreira classificativa e não apenas as duas últimas classificações, assim se repondo a interpretação correta da lei e acabando com uma clara injustiça que só beneficia os "académicos".
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Por outro lado, o EMJ devia ser mais restritivo quanto às nomeações (sem concurso) para fora da magistratura!!!
Muito melhoraria.
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Nunca foi tão actual no nosso mundo judiciário a sobredita asserção retirada do mundo animal...
É o que temos!!!
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e já agora, como é que alguns têm tanto tempo para estar nas televisões? e ganham por isso??? e a prestação tlevisiva conta para o "muito bom"?''
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O primeiro aspecto negativo que aponto a esta lei que alterou o paradigma de acesso aos tribunais da Relação residiu no facto de não ter criado um período de transição no mínimo, pelo menos de 5 anos, para os juízes poderem melhorar o currículo.
Um juiz trabalha durante 20, ou mais anos, confiando num certo paradigma de promoção e depois a lei diz: esse paradigma que eu ditei e no qual tu confiaste agora já não vale; o novo paradigma é este.
Se alguém disser que isto foi ou ainda é uma cretinice, não desminto.
2.
O que é que estava mal no anterior sistema que carecesse de ser melhorado? Só definindo-se o que estava mal se poderá verificar se a nova lei tem boas soluções.
3.
Não tem que se aplicar no acesso às Relações o mesmo critério que se aplica no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Nos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça analisa-se essencialmente o direito; nos recursos para a Relação analisa-se o facto e o direito e o recurso da matéria de facto até é fundamental, porque é a definição do facto que direcciona depois a aplicação do direito.
Por isso, deviam privilegiar-se também critérios ligados ao aspecto factual da decisão.
4.
Como se vê que um juiz é melhor que outro a fazer julgamentos, a decidir a matéria de facto e a aplicar o direito, de modo a ter direito de passar à frente de outros na promoção?
Não se vê isso através de comissões de serviço, de mestrados, pós-graduações e outros itens que agora determinam que um juiz passe à frente de outro.
Aliás, pode perfeitamente alguém ser bom na aplicação do direito e ser tapado (cego) para as questões de facto.
5.
Há dias um colega dizia-me (a respeito do acesso à Relação): nós sabemos que há meia dúzia de juízes acima da média e sabemos quem são e meia dúzia de juízes abaixo da média e sabemos quem são. Os primeiros passariam à frente, os segundos ficariam para trás e o resto era promovido segundo a antiguidade.
Vejo que existe verdade e justiça nesta ponderação, mas não me peçam para explicar porquê, pois não conseguiria explicar esta intuição baseada em heurísticas desconhecidas.
6.
Embora a sugestão tenha talvez a oposição de 95% dos juízes, será que os advogados da comarca não saberão dizer qual é o melhor juiz e não poderiam ter uma palavra, apenas uma, a dizer na promoção? Como? Era uma questão a ponderar.
7.
Mais haveria para dizer, mas apenas realço dois aspectos que me preocupam.
Este sistema de acesso às Relações obriga os juízes a dividirem a sua actividade diária e empenhamento entre os processos e o currículo. O tempo não dá para tudo, especialmente para aqueles que têm mais obrigações familiares ou domésticas.
Ora, sempre verifiquei que o tempo é sempre pouco para os processos.
Por isso, em muitos casos, algo será aldrabado (uso uma palavra mais forte para se perceber o que quero dizer), certamente aquilo que for mais fácil de aldrabar e for também mais difícil de detectar por terceiros.
Dirão que os juízes não fazem isso.
Uns não o farão seguramente, mas eu digo que os juízes são homens e mulheres como os outros e saem do seio do povo como os outros. Devem é gozar de condições para não necessitarem (subjectivamente) de aldrabar.
Depois, este sistema tende a potenciar a formação de grupos de juízes, ligados por laços de amizade ou outros, que se ajudarão reciprocamente na melhoria dos currículos, fomentando-se o tráfico de influências, luta subterrânea por lugares de decisão, de influência, por comissões de serviço, pedidos, favores, etc.
Tudo numa «boa», tudo muito natural. Ou seja, importou-se para o interior da magistratura judicial o modus operandi dos políticos.
Não precisávamos disto.
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