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REVISTA DE 2015

Morrer à espera da Justiça

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Portugal volta ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Desta vez, por causa de um caso de negligência médica, que se arrasta desde 1998. As queixosas já morreram.

Este é um caso emblemático da morosidade da Justiça em Portugal, onde há pessoas a morrer antes de verem os seus processos concluídos. Foi o que aconteceu com Maria Joana Margalho e a sua mãe, Maria Antónia Casaca. A primeira finou-se em 2011, e poucos meses depois, Maria Antónia. Em 2006, depois de um processo penal que levou oito anos a transitar em julgado, dirigiram-se ao Tribunal Judicial de Portalegre reclamando uma indemnização cível pela morte por negligência médica de Manuel Margalho Miranda, respetivamente, pai e marido.

Maria Joana e a mãe não viveram tempo suficiente para saber que aquele tribunal se declararia, já a 19 janeiro deste ano, materialmente incompetente para atender à sua pretensão.

Isso apesar de o mesmo tribunal, no processo criminal anterior, ter apurado a responsabilidade criminal de dois dos médicos envolvidos na morte, em maio de 1998, de Manuel Margalho Miranda, residente em Alter do Chão.

Inconformado, o viúvo de Maria Joana, Serafim Lobato, socorreu-se de um advogado amigo, João Teixeira Alves, e vai levar o caso para a frente. «Prometi à minha mulher que não desistiria do caso. Não quero deixar a resolução disto para as minhas duas filhas», diz o jornalista reformado.

'Prazo razoável'

O primeiro passo foi a apresentação, no final de fevereiro, de uma queixa contra o Estado português em Estrasburgo, por violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que garante aos cidadãos o direito a uma ação justa dos tribunais num «prazo razoável». Outro, a entrega nos últimos dias, de um pedido de indemnização apresentado contra um dos médicos envolvidos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.

Tudo começou a 26 de maio de 1998, quando Manuel Margalho, depois de vários dias a aguentar uma dor no peito foi à urgência do hospital de Portalegre. O médico da triagem,J..R..., diagnosticou-lhe apenas uma dor abdominal, com irradiação para o pescoço e, apesar de o doente estar medicado para a hipertensão, não lhe fez qualquer eletrocardiograma (ECG). Enviou-o para a cirurgia geral, onde foi observado pela médica I..M..., que lhe daria alta. A caminho de casa, Manuel voltou a sentir-se mal e regressou à urgência. Mas como já estava medicado, com remédios para as dores de barriga, foi mandado para casa.

O sofrimento de Manuel não parava. Por isso deslocou-se ao centro de saúde, onde o seu médico de família o examinou e o submeteu a um ECG. O resultado levantou suspeitas de enfarte. O clínico escreveu uma carta ao hospital, recomendando o internamento de Manuel.

Ali chegado, o doente seria atendido pelo médico A..M... que, desvalorizando o eletrocardiograma, lhe deu alta.

As queixas de Manuel agravaram-se e ele voltou ao médico de família, que voltou a insistir no internamento. Mas, nessa madrugada de 29 de maio de 1998, Manuel, novamente numa ambulância a caminho da urgência, morreu.

Em 2004, no âmbito do julgamento penal, a médica foi absolvida por ter elaborado num erro de diagnóstico anterior, enquanto o guineense António Missão acabaria por ser condenado a sete meses de prisão, com pena suspensa por um ano, e ao pagamento de 1250 euros ao refúgio Aboim Ascensão. O primeiro clínico, J..R..., deveria, segundo o tribunal, ter sido «condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física negligente», mas acabou absolvido devido a uma amnistia de 1999. Dois anos depois, o caso transitou, finalmente, em julgado com o juiz a remeter o pedido de indemnização feito a J..R.. para os tribunais cíveis. O de Portalegre, onde entrou o pedido, demorou nove anos a declarar-se materialmente incompetente para apreciar o caso, que agora entrou no administrativo de Castelo Branco, onde deverá permanecer por muito tempo.

Francisco Galope | Visão | 02-04-2015

Comentários (2)


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Preocupada apenas com números, situações humanas como estas passaram ao lado da Srª Ministra da Justiça na recente reforma do Código de Processo Civil. Países, como o Brasil, têm previsto no Código que os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, ou portadora de doença grave, têm prioridade de tramitação em todas as instâncias.
Por cá, os velhos e doentes são para descartar.
Maria do Ó , 04 Abril 2015 - 18:44:49 hr.
Alguem acredita nesta (justiçazinha)????
O caso relatado é uma vergonha, será que alguem com (responsabilidade no assunto ) vai ser chamado à atençao ?
Será que ha responsabilidade? Será que leram bem todos os artigos dessa lei? ou escolheram o que diz que nao?
Eu ja tive um caso em que havia dois artigos da mesma lei que diziam o contrario um do outro?
Isto sobre competencia de um determinado tribunal um artigo dizia que sim outro que nao?
Coisas da justiça !! tipo mistério da santissima trindade!!!!!!!
Alguem pode acreditar nesta justiça??'
António Ramos , 09 Novembro 2015 - 20:40:49 hr. | url

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