Mariana França Gouveia - Pense, por favor, o leitor quantas vezes já comprou alguma coisa – um casaco, um aparelho electrónico, um brinquedo, um alimento – que passado pouco tempo se estragou ou apresentou um defeito. E quantas vezes não lhe aconteceu ter subscrito certo serviço – de telefone, electricidade, televisão, crédito – e pouco tempo passado estar insatisfeito, querer desvincular-se ou pura e simplesmente adaptar o serviço àquilo que realmente quer e lhe foi prometido? Que fez nessas circunstâncias?
Quase todos terão falado com os seus familiares e amigos, contado a história e vociferado contra a empresa vendedora ou prestadora dos serviços. Alguns – bastante menos – terão contactado a empresa, reclamando pelo mau serviço, do defeito, da sua inadequação ao prometido. Face à resposta negativa ou evasiva da empresa – não é defeito, o produto vem do estrangeiro, não podemos fazer nada, tem de apresentar uma reclamação por escrito, o departamento vai tratar – voltámos seguramente a vociferar, mas quantos de nós procurámos junto da justiça resolver o nosso problema?
Provavelmente nenhum.
E não o fazemos por razões facilmente entendíveis – a justiça não está preparada para que os cidadãos exerçam os seus direitos. As razões são várias e conhecidas, mesmo para quem nunca pisou o chão de uma sala de audiências.
A justiça não é cara, é caríssima. Uma acção que tenha o valor de 100€ custa 102€! E, embora não seja, para este valor, obrigatório ter um advogado, será impossível um cidadão normal perceber sequer como deve propor uma acção e como deve actuar no seu decurso. E, como é evidente, o trabalho dos advogados tem de ser remunerado.
O custo da justiça numa acção deste tipo é assim muito superior ao de pura e simplesmente assumir a perda – do aparelho que não funciona, do casaco que não fecha, do contrato que nos dá internet aos bochechos.
E este é o segundo problema que causa o afastamento da justiça do cidadão: a formalidade e a burocracia do sistema judicial são avassaladoras. Uma pessoa vulgar – mesmo com um nível de educação elevado – não sabe como fazer valer o seu direito em tribunal.
Pense o leitor nesse seu caso que o incomoda: em que tribunal propõe a acção (hoje só os nomes dos "novos" tribunais assustam), o que escreve, em que termos, que leis invoca, que prova tem de fazer e com que meios, quando tem de a referir e apresentar, etc.
Como se resolve isto?
Não é difícil responder a esta pergunta: resolve-se com uma justiça diferente. Que seja barata, que seja informal, que seja rápida, que seja justa.
Não está estimado o valor económico destes pequenos litígios, pelo que não sabemos quais as vantagens de um sistema deste género a nível de custo-benefício. Mas é evidente que se trata de uma componente essencial da sociedade de consumo: a confiança dos consumidores de que os produtos e serviços que adquirem correspondem àquilo que pretendiam quando os contrataram.
Que justiça diferente é esta? O que é curioso dizer é que esta justiça já existe, mas existe timidamente e em permanente risco de desmantelamento.
Refiro-me a duas realidades diferentes: aos julgados de paz e aos centros de arbitragem e mediação de conflitos de consumo.
São baratos ou gratuitos, são totalmente informais e põem em primeiro lugar o cidadão, dando-lhe a palavra e procurando através de mecanismos de resolução de litígios alternativos uma solução consensual, em que ambas as partes ganham.
O problema é que os julgados de paz não cobrem todo o território nacional e os centros de arbitragem não têm competência obrigatória em todos os casos. Ambos têm sido pouco estimados pelos últimos governos, o que tem impedido uma coerente inserção destas estruturas no sistema de justiça.
Sem justiça não há direito. Sem uma justiça adequada aos direitos dos cidadãos, estes não serão mais que direitos de papel.
Mariana França Gouveia
Professora associada na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
ionline | 05-02-2015
Comentários (9)
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Meu Deus!
Para mim é "à borla"
É um produto fantástico, que me dá acesso aos melhores Tribunais do país.
Não pago impostos e não declaro rendimentos...
Mas tenho toda a Justiça que quero!...
E à borla!...
Pois são os outros que ma pagam...
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Se o mal da justiça fosse este estavamos bem.
Os j. PaZ são bem abrangentes..
Queria um por freguesia?
Excelente artigo!
É um bom sinal o facto dos juízes de paz passarem a ser formados no CEJ. É um passo para a credibilização destes tribunais, que têm um papel fundamental na resolução de pequenos litígios, cuja resolução deve passar pela mediação e pela simplificação processual.
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Tendo suspeitado, procurei na net sobre a dita senhora e li que a mesma é:
“Membro da Comissão de Arbitragem da CCI Portugal Desde 2012 - Vogal do Conselho de Centro de Arbitragem Comercial da Associação”.
Usa artigos para publicitar o que lhe paga o pão, nem que para tal tenha de disparatar sobre a justiça sem acrescentar nada de útil.
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Acho engraçado este artigo, mas pobre daquele que cai nas mãos dos advogados ou nos Tribunais.
Durante dez anos constantemente era constituido arguido, e por quê?
Porque acho que o cidadão, quando não se sentre protegido, deve reagir - em conformidade, daí,
que sempre que sou autuado pelas policias, reclamo, não pela aplicação da coima, mas pela forma. Nos meus registo tenho 3 e todas pagas.
Depois e como já sou conhecido na esquadra onde moro, até me dá gozo ir à esquadra para ser notificado porque apareceu uma queixa por supostamente ter colocado na caixa de correio da vizinha - isto porque sou o único que reclamo por causa do ruído da vizinhança ou porque acham que eu sou o responsável pela separação dos pais. A Câmara ou o SMAS lembram-se de se queixar contra mim porque acham que o meu comportamento é incorreto só porque digo que as taxas que me cobram são individas. Olhem só para esta. Durante 10 anos, no meu prédio, pagava um imposto de tratamento de esgotos. Todos os anos paga e deixava um recado. Atenção: a garagem não tem canalizações nem água a correr. A resposta era sempre a mesma que com base na legislação x teria que pagar o devido. Devolvia a resposta ao sr engº dizendo que a lei que dirimia não era aplicável ao caso. Isto durante 10 anos, até levado o caso à DECO e outras entidades públicas, alguém se lembrou de dizer - atenção o cidadão não pode pagar taxas indevidas. Devolvem-me o dinheiro sem juros e sem me pagarem as chatices.
Noutro caso, mais concretamente no local do trabalho, todos os dias desapareciam coisas - hoje um carro, amanhã um telemóvel, no outro dia uma impressora, etc. Abandonei o serviço e dirigi um mail dos motivos da minha saida sem identificar as pessoas. Paguei por ter escrito um mail para me libertar das mesquinhices de certas pessoas e mais não digo