Fernanda Palma - Não é possível deixar de ouvir o apelo de pessoas condenadas apenas de prisão a que não têm sido concedidas saídas precárias ou a liberdade condicional por não terem reconheci doa sua culpa. Tal critério, se acolhido pelos tribunais de execução de penas, justifica um recurso de constitucionalidade. À luz dos artigos 18º da Constituição e 40º do Código Penal, a culpa só constitui fundamento e limite da pena.
A culpa refere-se ao momento de execução do crime e corresponde à censura pela prática de um facto que o arguido podia ter evitado, em condições de conhecimento e liberdade.
O Direito Penal não pode servir para configurar consciências ou modos de pensar, mas apenas para prevenir comportamentos com interferência objetiva em bens jurídicos, como a vida integridade, a liberdade, a honra ou o património.
A prisão serve para evitar que o recluso reinicie a atividade criminosa e ameace a sociedade e não para promover a expiação, como pretendiam as perspetivas penitenciárias do século XIX. Por outro lado, conceções de pura prevenção geral, que concebam a pena como um mero exemplo para terceiros, também não são aceitáveis, por instrumentalizarem o condenado e violarem o princípio da dignidade da pessoa humana. É verdade que a análise da perigosidade impõe o conhecimento da personalidade e da disposição do condenado. Porém, essa avaliação tem de se basear em índices claros e objetivos da tendência para delinquir e não em considerações de senso comum sobre o reconhecimento da culpa.
Aliás, o arrependimento pode nada significar quanto a futuros crimes e tende a desencadear atitudes de subserviência e enganadoras.
Se há matérias em que se confunde a opinião com a argumentação, esta não é uma delas. Como bem decidiu o Tribunal da Relação do Porto, num acórdão de 10 de outubro de 2012, a mudança interior do agente não pode ser imposta. Alei exige, antes, um prognóstico que indique que o agente não voltará a delinquir. Ora, não se pode chegar a esse prognóstico com uma avaliação moralista, mas com recurso à ciência.
Fernanda Palma | Correio da Manhã | 15-02-2015
Comentários (18)
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Direito Penal do Secúlo XXI
Vivemos num Estado de Direito. Estado defensor de um paradigma de Justiça, apoiado no nosso moderno Direito Penal.
Direito Penal fruto do pensamento de cientistas natos como V/ Exa.
Felizmente quem aplica a ciência desse Direito são os nossos queridos Juízes.
Esses que, se bem entendo, o aplicaram de forma exemplar no caso concreto do sr tv (apenas deveriam ter sido mais céleres e duros !).
A esse triste e coitado sr foram dadas mais oportunidades e horas de defesa que a todos os culpados que conheço!
Se alguma das vitimas no caso concreto fosse V/ filho, talvez até as condições de vida na prisão especial onde esse sr está a expiar a pena, tivessem que ser melhoradas !? Se fosse um dos meus filhos, talvez o sr tv nem tivesse direito a tv com dinheiro dos contribuintes.
Sabe V/ Exa que o grande poder traz sempre grande responsabilidades e que, para grandes males, grandes remédios! Chegou a hora do grande poder e dos poderosos começarem mesmo a "expiar pecados". Não lhes ficava nada mal. Só lhes fazia bem. Só davam alegrias ao nosso povo português.
Ainda quanto ao caso concreto, 1dizer que a prisão moderna serve para evitar que o recluso reinicie a actividade criminosa e ameace a sociedade...2 que o arrependimento pode nada significar...3 que a mudança interior não pode ser imposta..., é, com toda a humildade, fruto dum pensamento cientifico de quem vive no Séc XXI a querer já impor soluções cientificas do século XXII.
Provavelmente, V/ Ex conhece bem estes criminosos abastados defendidos por brilhantes advogados que amam a Justiça no todo e que se revêm nessas suas doutas palavras:
Refiro apenas aqueles que viviam no Séc. XIX português, esquecendo-se do Estado de Direito do Séc. XXI - João Vale e Azevedo, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais, Armando Vara... Domingos Duarte Lima...e aqueles que continuam também que continuam a usar o próprio Direito para escapar ao Direito Penal, por não haver ainda coragem suficiente dos nossos queridos juízes... Oliveira e Costa...Ricardo Espírito Santo Salgado... Zeinal Bava...Henrique Fusco Granadeiro...José Sócrates Pinto de Sousa....Paulo Cabral Portas...e aquele que mandou o tal juiz se cuidar...
Se a mudança interior não puder ser imposta a esta gentinha... então que V/ Exa seja a primeira a dar uma alternativa à Justiça Privada do século XIX que o nosso povo clama nas ruas!
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Mas, chegando ao fim, pensei: já vi onde queres chegar, Nandinha, e podes meter a viola no saco.
Como é que se pode aferir do estado de ressocialização de um condenado sem passar necessariamente pela reflexão interior do próprio condenado acerca do mal que cometeu ? Falar em arrependimento é o mesmo que falar em interiorização dos valores negados pela conduta criminosa.
Claro que há criminosos empedernidos e mal formados que jamais admitirão que cometeram o crime, pois não reconhecem o bem jurídico nem o poder punitivo do Estado (quando lhes é aplicado a eles), como é o caso do sr cruz, que motivou este artigo e como será de certeza o caso do sr. pinto de sousa, se vier a ser condenado. Toda a conduta de um e de outro, se bem analisada, não se limita a ser uma defesa contra a acusação. Eles atacam o MP e os Juízes por terra, mar e ar, porque não lhes reconhecem autoridade para interferir na sua vida. Mas até aí, tudo bem. A natureza de cada um não muda, e portanto ao menos sabemos com o que podemos contar.
Agora, estes artistas quererem beneficiar de um estatuto que só faz sentido se aplicado a quem revela que já não é perigoso para os bens jurídicos e demonstra arrependimento, quando eles demonstram justamente o contrário, é preciso uma lata monumental. E vir uma Professora de Direito Penal dar-lhes cobertura, lamento mas cheira mal.
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Estes, pela sua celebridade na política, na TV, na finança e noutras áreas com poder, terão sempre quem grite que as suas condenações são "erros judiciais" devidos à "incompetência" dos magistrados.
E é com gente desta que a Republica tem de viver ... e gente que nós, em democracia, temos de gramar.
Ciência? Qual ciência?
Avaliação moralista não, certo. Mas a que "ciência" se refere a articulista? À psicobruxaria?
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More than words...
As penas, no nosso brando paízinho, já vão pecando por defeito, por "más influências doutrinárias"...
Se a pena de prisão, aplicada por decisão transitada em julgado, é uma, deveria ser essa a cumprida e só em circunstâncias excepcionais (sublinhe-se) deveria ocorrer anterior libertação do condenado (nelas se incluindo, naturalmente, o reconhecimento de que mal se andou e a manifestação de uma vontade séria de bem se passar a andar).
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É recente, mas caiu no esquecimento?!..., daquele jovem que disse, embora embulhadamente que tinha dito o que disse sobre a morte da tia e agora vir outra pessoa a confirmar o crime, apenas para libertar a mãe do assédio judicial a que estava sujeita
Será que neste caso, também sabem quem cometeu o crime?
Cambada de ignorantes
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Cada vez temo mais estes Académicos que vivem num mundo abstracto, povoado de conceitos e sub-conceitos e classificações e sub-classificações, todos eles muito bem estruturados e sistematizados, e que têm um ar muito científico, mas que se aplicados na prática levam a situações aberrantes. Felizmente que existem juízes, que vivem no mundo real, e que se preocupam em tomar a decisão certa. Cada vez mais, porém, para tomar a decisão certa e justa e adequada ao caso concreto é preciso ignorar o que dizem os académicos.
Com a devida vénia à Senhora Professora de matemática jurídica Fernanda Palma.
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O mundo ao contrário
Mas esta Fernanda Palma que escreve estas trivialidades é a mesma que lavrou o acórdão de 25-11-2014, da Relação de Évora? Não deve ser. Devem ser homónimas. Neste último acórdão lê-se a seguinte passagem:
«Ora, desconhece o Tribunal que tipo de problemas tem o arguido com a sua raça, o Tribunal não sabe e, em rigor, não tem interesse em saber. Por sua parte, o Tribunal julga todas as raças porque os critérios de competência na lei portuguesa não passam pela cor da pele. [E por aqui deveria ter ficado a Sra. Relatora. Mas não. Decidiu escrever esta passagem, que me recuso a adjectivar:] Se calhar, melhor teria ficado ao arguido preocupar-se em ter uma postura de cidadão responsável, uma postura que combinasse melhor com a virilidade toda que está convencido de ter, aceitando os factos e assumindo as suas responsabilidades, o que não aconteceu.» Isto contado não se acredita, só lido.
Em suma: Fernanda Palma, no artigo de opinião, vem negar, a um tribunal de execução de penas, o que ela se permite fazer como relatora num tribunal de recurso, em que a presunção de inocência - pelo menos da última vez que abri a CRP - ainda é para ser levada em conta, presunção de inocência essa que já foi às malvas quando a coisa está no tribunal de execução de penas. Isto até o homem do talho da minha rua sabe. A Sra. Relatora Desembargadora, em sede de recurso, já exige ao arguido que assuma as suas responsabilidades. Já ao criminoso sr. TV, com sentença condenatória transitada em julgado, advoga que o reconhecimento da prática do crime é irrelevante - e mais: justifica um recurso para uma coisa que nem tribunal é, porque são todos nomeados pelos amigalhaços políticos. É só rir.
Parece que a Desembargadora não percebeu ou não percebe que as pessoas - com ou sem razão, mas, lá está, para dizer que a têm ou não, SEM MORALISMOS, é que existem os tribunais - recorrem porque acham, bem ou mal, que foram condenadas injustamente. Daí que, antes de transitada em julgada a sentença, dizer que melhor seria o arguido assumir as suas responsabilidades... enfim. Mas depois de transitada em julgada, já não se pode dizer que o condenado não reconheceu a autoria, a culpa, ou seja o que for. Anda o mundo ao contrário na cabeça desta senhora, parece-me... Isto vai fazer escola nos tribunais de recurso? Aqui no Charlie Hebdo já estamos a desenhar as caricaturas.
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As minhas desculpas pelo erro.
Cambada de ignorantes 2
Há mais Direito Penal para além da Prof. F. Palma
Éramos dois que andávamos enganados: ambos ex-alunos da FDL, ambos, ex-alunos da F. Palma no século passado. Uma nota: nunca percebi que fazia a F. Palma no meio de tanto Professor Ilustre que a FDL tinha.