Entrevista do Expresso a Rogério Alves. O antigo bastonário da Ordem dos Advogados ouviu atentamente os discursos oficiais da sessão solene de abertura do ano judicial, na quarta-feira.
- A Justiça está mais rápida e eficaz desde que este Governo entrou em funções?
- Não. Nem uma coisa nem outra. Não houve nenhum implemento qualitativo, do meu ponto de vista, na rapidez com que os processos são decididos. A Justiça tem de ser uma espécie de ilha de serenidade numa sociedade de flashes e decisões precipitadas, mas reconheço que a lentidão é a grande pecha do nosso sistema judicial.
- Mas a reforma da Justiça está no bom caminho?
- Há reformas em códigos e em estruturas, mas não sinto que haja uma reforma da Justiça que tenha princípio, meio e fim e um rumo definido. Na reforma do Código do Processo Penal, por exemplo, regrediu-se. Amputaram-se liberdades, direitos e garantias processuais. Hoje há muito menos possibilidades de recurso do que havia há 30 anos. Se a reforma é feita a cortar direitos, vai pelo mau caminho.
- A bastonária da Ordem dos Advogados comparou algumas mudanças no Código do Processo Penal, como substituir investigações por confissões, com o tempo da ditadura. Exagerou?
- Acho que exagerou. Um dos problemas graves no fenómeno de apreciação do sistema judiciário em Portugal é o dramatismo introduzido na linguagem. Por outro lado, há algum corporativismo, o que faz com que cada uma das profissões jurídicas puxe a brasa à sua sardinha. E há ainda o Governo, que defende as suas damas. Não vale a pena rotular as coisas com dramatismo.
- A ministra disse no seu discurso que "os amantes do caos, os que clamavam para que nada de substancial se alterasse, falharam os seus intentos" e que "os negócios da Justiça" vão acabar. Falaria ela dos advogados?
- Sou pelo discurso político anglo-saxónico. As coisas dizem-se com clareza e os alvos chamam-se pelos nomes. Essas expressões não foram claras. Não consigo decifrá-las. Mas há uma coisa que posso garantir: os advogados não são amantes do caos. Os advogados procuram soluções para os seus clientes. O que admito é que haja excesso de conservadorismo, muitas vezes, nas nossas posições. As leis são como as pessoas: só são elogiadas quando morrem.
- O Presidente da República pôs a tónica do seu discurso na saída da crise e em como é preciso uma Justiça célere para que a economia cresça. Concorda com esta visão economicista?
- Compreendo essa preocupação do Presidente da República. Mas se há área da nossa vida em que o depressa e bem não faz ninguém é a Justiça. O valor primordial que deve nortear a administração da Justiça é a decisão justa. Fazer conciliar uma decisão justa com uma decisão rápida é o grande desafio, mas a rapidez nunca pode pôr fora de jogo a injustiça. Fico preocupado que, quando se põe a tónica da Justiça como fator do desenvolvimento económico, haja a tentação de criar soluções que têm efeitos perversos.
- Faz sentido introduzir uma lógica de gestão por objetivos nos tribunais, como é defendida pelo Governo?
- Não. Faz sentido introduzir uma lógica que verifica a competência, a diligência e a aplicação, mas não uma gestão por objetivos. Os tribunais não devem transformar-se em empresas produtoras de resultados. Imagine que se introduzia uma norma do gene ro: se um processo não for julgado num ano e meio, é arquivado no estado em que estiver. A mentalidade das agências de rating não deve contaminar o universo da Justiça. Isso seria desastroso.
- Subscreve a sugestão da sua bastonária de que a cerimónia de abertura do ano judicial devia ser em setembro e não agora?
- Sem fazer disso uma arma de arremesso, concordo. Porque em setembro é que começa verdadeiramente o ano judicial.
Micael Pereira | Expresso | 01-02-2014
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