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REVISTA DE 2014

Dona Inércia

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Paulo Morais - O descalabro no BES, a que agora assistimos, tem um responsável: a inércia. A inércia do Banco de Portugal (BdP), da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e do Ministério Público (MP).

O BdP andou a dormir. A entidade que supervisiona o setor financeiro atestou de forma reiterada a idoneidade dos administradores do BES. Mesmo quando Ricardo Salgado teve de alterar a sua declaração de IRS porque se tinha "esquecido" de declarar nove milhões de euros, o governador Carlos Costa manteve Salgado na presidência do banco. É claro que quem se esquece de tantos milhões, ou é distraído ou malandro. E não serve para presidir a um banco.

Esta aberração só foi possível pela postura submissa e inerte do BdP para com o banqueiro.

Mal andou também a CMVM. Não exerceu minimamente o controlo a que está obrigada por Lei e permitiu que o BES andasse a impingir aos seus clientes papel comercial sem qualquer valor. Os clientes do banco compraram títulos de dívida que deveriam corresponder a um qualquer ativo, mas que, de facto, nada valiam. Por inércia da CMVM e do seu presidente Carlos Tavares.

E finalmente a Justiça. Uma das principais causas da crise do BES resulta da concessão de empréstimos sem garantias a dirigentes políticos angolanos, numa lista interminável encabeçada por um crédito de 800 milhões autorizado a Marta dos Santos, irmã do presidente. Só no BES (Angola) há 5,7 mil milhões de financiamentos a clientes indeterminados.

Acresce que o BESA deve ainda ao BES cerca de três mil milhões. Todos estes fundos serviram para enriquecer a elite angolana, a quem nunca se questionou a origem do dinheiro, nomeadamente o que foi aplicado em Portugal.

Apesar disso, todos continuam em liberdade, nenhum bem é confiscado.

No final, tudo virá a ser pago com uma garantia do estado angolano, com o dinheiro do povo... e com prejuízos do BES. Desta forma, BES e BESA lavam o dinheiro angolano que acaba no bolso de dirigentes corruptos. Tudo se passa debaixo dos olhos do MP português, que, também por inércia, jamais incomoda os muito poderosos.

Assim, face à postura de D. Inércia, também conhecida como Madame Cumplicidade, o BES tratou de tudo. E de que maneira!

Paulo Morais | Correio da Manhã | 02-08-2014

Comentários (7)


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MP quem, onde?
Não existe MP em Portugal, só há funcionários públicos com medo de perder o ordenado ao fim do mês e de terem um processo disciplinar se levantarem ondas...no caminho de certas famílias/instituições que pensam que são os donos deste país há mais de 40 anos.

E nem os juízes escapam, quando não pronunciam ou absolvem os ditos poderosos...há sempre uma espada a ameaçá-los, neste caso, o csm e lá se vai o ganha pão da família e do próprio.
Aliás, havia até um advogado em processos grandes de poderosos que era simultaneamente membro do csm...coitados dos juízes, a pressão de terem um processo disciplinar indevido devia ser muita...

É uma autêntica vergonha e desesperante viver em Portugal.
Nalguns países existe coragem e determinação para enfrentar e colocar na prisão quem se apropria por si ou por terceiro dos bens públicos ou os gere propositadamente e levianamente, e ninguém se atreve a se interpor entre os procuradores e juízes e o seu trabalho, mas aqui os execráveis que estão a praticar o genocídio de um povo e a emigração de outros milhares (mais de 320 mil), continuam a sorrir, sabendo que são intocáveis...
E vêm aí mais 26 mil milhões para esses execráveis...
Haverá algum Homem que se levante e limpe este País destes criminosos?
Ou estão todos comprometidos?
Já com a Adse continua o roubo do Estado...
Vão buscar valores a tudo o que tem tido viabilidade para desviar para o erário público e por sua vez, gastarem em coisas supérfluas e em proveito próprio ou de empresas terceiras, suas coniventes.
Só falta pagar imposto/taxa pelo ar que respiramos.
Cumprimentos,
... , 03 Agosto 2014 - 17:59:08 hr.
Chamem o Batman e o Homem-Aranha. E o MP, faxavôr.
Artigo 228.º Código Penal

Insolvência negligente

1 - O devedor que:
a) Por grave incúria ou imprudência, prodigalidade ou despesas manifestamente exageradas, especulações ruinosas, ou grave negligência no exercício da sua actividade, criar um estado de insolvência; ou
b) Tendo conhecimento das dificuldades económicas e financeiras da sua empresa, não requerer em tempo nenhuma providência de recuperação;
é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 227.º

(Tirado da PGDL)

Se o Batman e o Homem-Aranha não puderem vir... enfim, chamem o MP. Pode ser que...

(Ó José, essa do 224º que refere no seu blogue não lembra a ninguém. Que o Camilo precisa de ser corrigido, pois sim. Agora o 224º? Mas isso é crime que se consiga provar? Até o 227º (insolvência dolosa) é mais fácil de provar que o 224º (infidelidade), por razões que qualquer bom exegeta percebe em menos de meio minuto... Vá, José, faça uma adenda ao seu post.)
Gabriel Órfão Gonçalves , 03 Agosto 2014 - 20:08:09 hr.
...
Mas quem acreditta em faslência negligente? Só o JICÃO...
DDT , 03 Agosto 2014 - 20:29:33 hr.
...
A D.ª Inércia mexeu-se. Custa, por agora e quando está no primeiro dia, cerca de 5.000 milhões... Penso que os 10% que me estão a roubar não chegará, pois continuo a viver acima das minhas possibilidades. Os ladrões que nos governam dirão que é necessário um corte adicional, extraordinário ou lá o que se chamará pela primeira vez para o TC dizer que é inconstitucional mas pode ser não sei porquê... A minha confiança no Direitoe na Lei está, por ora, em votar PCP, depois verei.
Sun Tzu , 04 Agosto 2014 - 01:08:55 hr.
...
Vão-me perdoar, mas o rigor acima de tudo.
Lamento dizer, mas o articulista confunde inacção com inércia. Inércia é, numa definição básica, a resistência que qualquer objecto corpóreo oferece a qualquer mudança no seu estado, seja na velocidade, seja na direcção. É a tendência dos objectos para se manterem sempre numa linha recta a uma velocidade constante. Por exemplo, se Paulo Morais fosse passar uns dias a uma estação espacial, e lhe mandassem empurrar um bloco de betão de 5 toneladas ao longo de um corridor de 500 m, ele fá-lo-ia com um dedo, sem grande dificuldade. Mas quando o corredor fizesse uma curva e ele tivesse de travar, ia perceber da pior maneira o que é a inércia, bem como a diferença entre peso e massa.
Já inacção, que presumo ser o que se queria escrever, é falta de acção, apatia, como todos sabem.
Podemos fazer uma síntese e dizer que o problema principal de Portugal é uma conjugação explosiva entre inacção e inércia. A inacção das instâncias que deviam controlar e punir a corrupção, e não o fazem porque em grande parte foram legalmente castradas e piam fininho, e a inércia de todo um sistema de poder e de uma mentalidade que se habituou a viver da pequena, da média e da grande golpada, e que não se consegue travar a não ser com um esforço colossal.
Bonnes vacances
Hannibal Lecter , 04 Agosto 2014 - 14:20:41 hr.
...
Gabriel Órfão Gonçalves:

Só agora dei conta da interpelação, mesmo antes de entrar em férias...

Pois, se bem leu, o que quis dizer é que não há crime adequado para estas enormidades que vemos diante dos olhos públicos.

Nem sequer o de insolvência que só existe se houver...insolvência ( deinde o caso do BPN não se enquadrar em tal incriminação).
Por outro lado, o de infidelidade (224º) ainda mais difícil perante a argumentação jurídica no acórdão que citei: é preciso dolo no princípio, no meio e no fim.

O que resta, por isso? Não sei bem. Fala-se agora em abuso de confiança. Pois isso pode ser mas vai ser difícil de provar em tribunal. O que se pode provar desde já, pode ser outra coisa e que se relaciona com fraudes fiscais e branqueamento de capitais. E isso chega para a preventiva que no meu entender deveria ter sido já decretada.

Mas é apenas uma opinião de quem vê, ouve e lê e náo pode ignorar, como cantava o padre comunista Fanhais.

José , 05 Agosto 2014 - 00:44:45 hr. | url
...
Claro que falta no nosso país um crime similar ao Embezzlement do direito anglo-saxónico, que é muito mais abrangente do que o "cruzamento" de furtos, abusos de confiança, infidelidade e insolvência, que para além de gerar desnecessários concursos de normas, proporciona um enorme buraco de impunidade. Mas não há interesse em suprir uma tal lacuna, sobretudo quando, no caso do BES, 31 quadros saídos desse banco foram/são ministros e secretários de estado, fora os deputados, diretores-gerais e quejandos...
Zeka Bumba , 06 Agosto 2014 - 16:08:17 hr.

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