Paulo Morais - O descalabro no BES, a que agora assistimos, tem um responsável: a inércia. A inércia do Banco de Portugal (BdP), da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e do Ministério Público (MP).
O BdP andou a dormir. A entidade que supervisiona o setor financeiro atestou de forma reiterada a idoneidade dos administradores do BES. Mesmo quando Ricardo Salgado teve de alterar a sua declaração de IRS porque se tinha "esquecido" de declarar nove milhões de euros, o governador Carlos Costa manteve Salgado na presidência do banco. É claro que quem se esquece de tantos milhões, ou é distraído ou malandro. E não serve para presidir a um banco.
Esta aberração só foi possível pela postura submissa e inerte do BdP para com o banqueiro.
Mal andou também a CMVM. Não exerceu minimamente o controlo a que está obrigada por Lei e permitiu que o BES andasse a impingir aos seus clientes papel comercial sem qualquer valor. Os clientes do banco compraram títulos de dívida que deveriam corresponder a um qualquer ativo, mas que, de facto, nada valiam. Por inércia da CMVM e do seu presidente Carlos Tavares.
E finalmente a Justiça. Uma das principais causas da crise do BES resulta da concessão de empréstimos sem garantias a dirigentes políticos angolanos, numa lista interminável encabeçada por um crédito de 800 milhões autorizado a Marta dos Santos, irmã do presidente. Só no BES (Angola) há 5,7 mil milhões de financiamentos a clientes indeterminados.
Acresce que o BESA deve ainda ao BES cerca de três mil milhões. Todos estes fundos serviram para enriquecer a elite angolana, a quem nunca se questionou a origem do dinheiro, nomeadamente o que foi aplicado em Portugal.
Apesar disso, todos continuam em liberdade, nenhum bem é confiscado.
No final, tudo virá a ser pago com uma garantia do estado angolano, com o dinheiro do povo... e com prejuízos do BES. Desta forma, BES e BESA lavam o dinheiro angolano que acaba no bolso de dirigentes corruptos. Tudo se passa debaixo dos olhos do MP português, que, também por inércia, jamais incomoda os muito poderosos.
Assim, face à postura de D. Inércia, também conhecida como Madame Cumplicidade, o BES tratou de tudo. E de que maneira!
Paulo Morais | Correio da Manhã | 02-08-2014
Comentários (7)
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MP quem, onde?
E nem os juízes escapam, quando não pronunciam ou absolvem os ditos poderosos...há sempre uma espada a ameaçá-los, neste caso, o csm e lá se vai o ganha pão da família e do próprio.
Aliás, havia até um advogado em processos grandes de poderosos que era simultaneamente membro do csm...coitados dos juízes, a pressão de terem um processo disciplinar indevido devia ser muita...
É uma autêntica vergonha e desesperante viver em Portugal.
Nalguns países existe coragem e determinação para enfrentar e colocar na prisão quem se apropria por si ou por terceiro dos bens públicos ou os gere propositadamente e levianamente, e ninguém se atreve a se interpor entre os procuradores e juízes e o seu trabalho, mas aqui os execráveis que estão a praticar o genocídio de um povo e a emigração de outros milhares (mais de 320 mil), continuam a sorrir, sabendo que são intocáveis...
E vêm aí mais 26 mil milhões para esses execráveis...
Haverá algum Homem que se levante e limpe este País destes criminosos?
Ou estão todos comprometidos?
Já com a Adse continua o roubo do Estado...
Vão buscar valores a tudo o que tem tido viabilidade para desviar para o erário público e por sua vez, gastarem em coisas supérfluas e em proveito próprio ou de empresas terceiras, suas coniventes.
Só falta pagar imposto/taxa pelo ar que respiramos.
Cumprimentos,
Chamem o Batman e o Homem-Aranha. E o MP, faxavôr.
Insolvência negligente
1 - O devedor que:
a) Por grave incúria ou imprudência, prodigalidade ou despesas manifestamente exageradas, especulações ruinosas, ou grave negligência no exercício da sua actividade, criar um estado de insolvência; ou
b) Tendo conhecimento das dificuldades económicas e financeiras da sua empresa, não requerer em tempo nenhuma providência de recuperação;
é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 227.º
(Tirado da PGDL)
Se o Batman e o Homem-Aranha não puderem vir... enfim, chamem o MP. Pode ser que...
(Ó José, essa do 224º que refere no seu blogue não lembra a ninguém. Que o Camilo precisa de ser corrigido, pois sim. Agora o 224º? Mas isso é crime que se consiga provar? Até o 227º (insolvência dolosa) é mais fácil de provar que o 224º (infidelidade), por razões que qualquer bom exegeta percebe em menos de meio minuto... Vá, José, faça uma adenda ao seu post.)
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Lamento dizer, mas o articulista confunde inacção com inércia. Inércia é, numa definição básica, a resistência que qualquer objecto corpóreo oferece a qualquer mudança no seu estado, seja na velocidade, seja na direcção. É a tendência dos objectos para se manterem sempre numa linha recta a uma velocidade constante. Por exemplo, se Paulo Morais fosse passar uns dias a uma estação espacial, e lhe mandassem empurrar um bloco de betão de 5 toneladas ao longo de um corridor de 500 m, ele fá-lo-ia com um dedo, sem grande dificuldade. Mas quando o corredor fizesse uma curva e ele tivesse de travar, ia perceber da pior maneira o que é a inércia, bem como a diferença entre peso e massa.
Já inacção, que presumo ser o que se queria escrever, é falta de acção, apatia, como todos sabem.
Podemos fazer uma síntese e dizer que o problema principal de Portugal é uma conjugação explosiva entre inacção e inércia. A inacção das instâncias que deviam controlar e punir a corrupção, e não o fazem porque em grande parte foram legalmente castradas e piam fininho, e a inércia de todo um sistema de poder e de uma mentalidade que se habituou a viver da pequena, da média e da grande golpada, e que não se consegue travar a não ser com um esforço colossal.
Bonnes vacances
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Só agora dei conta da interpelação, mesmo antes de entrar em férias...
Pois, se bem leu, o que quis dizer é que não há crime adequado para estas enormidades que vemos diante dos olhos públicos.
Nem sequer o de insolvência que só existe se houver...insolvência ( deinde o caso do BPN não se enquadrar em tal incriminação).
Por outro lado, o de infidelidade (224º) ainda mais difícil perante a argumentação jurídica no acórdão que citei: é preciso dolo no princípio, no meio e no fim.
O que resta, por isso? Não sei bem. Fala-se agora em abuso de confiança. Pois isso pode ser mas vai ser difícil de provar em tribunal. O que se pode provar desde já, pode ser outra coisa e que se relaciona com fraudes fiscais e branqueamento de capitais. E isso chega para a preventiva que no meu entender deveria ter sido já decretada.
Mas é apenas uma opinião de quem vê, ouve e lê e náo pode ignorar, como cantava o padre comunista Fanhais.