Fernanda Palma - A caução de três milhões de euros, aplicada a Ricardo Salgado por um tribunal de instrução criminal, suscita algumas dúvidas em termos de utilidade e eficácia jurídicas. Quais são, afinal, os requisitos e as finalidades da caução ? E quando deverá o juiz aplicar uma caução, em detrimento das restantes medidas previstas no Código de Processo Penal?
No nosso antigo Direito Penal havia crimes "incaucionáveis". Nos crimes mais graves, como o homicídio voluntário, era sempre aplicada a prisão preventiva. Porém, essa solução foi afastada, por ser considerada inconstitucional. A prisão preventiva é a última das medidas de coação e tem de ser justificada, caso a caso, com a insuficiência de todas as restantes.
As medidas de coação destinam-se, em geral, a impedir a fuga, a perturbação do inquérito, a continuação da atividade criminosa ou a perturbação grave da ordem pública pelo arguido (que se presume inocente). Apenas o termo de identidade e residência, que garante que o arguido pode ser contactado, é de aplicação automática e escapa a esta lógica.
No caso BES, para além do termo de identidade e residência, foram aplicadas várias medidas: a caução, a proibição de contactos com certas pessoas e a proibição de deslocação ao estrangeiro.
É manifesto que estas medidas assumem a pretensão de impedir que o arguido possa, porventura, dificultar a investigação ou não se submeter à realização da justiça.
Não foram aplicadas, neste caso, as medidas de coação mais severas previstas na nossa lei: a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação ('prisão domiciliária'). Tais medidas foram consideradas desnecessarias, embora possam ser aplicadas a crimes de burla e abuso de confiança agravados (prisão até oito anos) e branqueamento (prisão até 12 anos).
Todavia, a chamada "caução carcerária" coloca sempre duas questões pertinentes. Em primeiro lugar, se estiver mesmo em causa o perigo de fuga, terá sentido aplicar essa medida de coação ? E, por outro lado, como pode ser prestada caução por um arguido que não tenha meios económicos ou seja, poderá dizer-se que a caução é uma medida para "ricos"?
Só por si, uma caução não dissuade de fugir um arguido que tem em jogo a liberdade. Só será eficaz se o perigo de fuga for reduzido. Por seulado, a insuficiência de meios inviabiliza a caução, que será substituída por outra medida (diversa da prisão preventiva ou domiciliária). Mas a caução Surgirá então como um custo que evita a restrição de outros direitos.
Fernanda Palma | Correio da Manhã | 27-07-2014
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