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REVISTA DE 2014

Não compreendo, três anos depois

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Carlos Moreno - Três anos depois do resgate, não compreendo o que vejo nem o que oiço sobre o presente e o futuro do país.

No verão deitamo-nos, adormecemos e sonhamos na sombra quieta das árvores e das casas ou na areia dourada das praias intumescidas de sol, de mar, de azul e de gente. Temos visões de fadinhas boas, alucinações com paraísos na terra, paramos os pensamentos maus, deixamos de ouvir mentiras, não vemos incompetentes. Ficamos felizes com o gesto simples de sentir derreter na boca devagarinho, mole e sensual, um pequeno gelado doce.

Dormitava eu assim na linha azulpreto do horizonte em que a tarde de ontem se fechava e se esgotava quando o relógio dos compromissos inadiáveis me despertou de supetão. Tinha a minha crónica quinzenal para escrever. Foi difícil, duro, violento, insuportável voltar à vida real. Mas o que tem de ser tem muita força.

Olho e escuto em volta, atento ao que faz manchete para me pôr a par do que se passa.

E que descubro eu?

O crédito malparado continua a crescer -100 000 empresas deixaram de pagar contas, 700 000 famílias não conseguem honrar compromissos. Três anos depois!

A dívida da economia portuguesa volta a subir. Sector público e privado devem 741 mil milhões de euros, cerca de 445% do PIB nacional. A dívida pública ainda continua em ritmo ascendente e chega agora à bagatela de 224 000 milhões, não menos do que 135% do PIB. Três anos depois!

A austeridade provisória torna-se definitiva. No final desta semana a Assembleia da República aprovará dois diplomas do governo: um, para recuperar os cortes nos salários da função pública operados a título transitório pelo anterior governo em 2011 e assim responder e substancialmente anular a reposição integral de tais salários ordenada pelo Tribunal Constitucional no final de Maio passado; outro, para introduzir a chamada contribuição de sustentabilidade das pensões que corta definitivamente o valor de muitas reformas e visa substituir para sempre a conhecida CES – contribuição extraordinária de solidariedade que como o seu nome indicava tinha natureza transitória. Três anos depois!

Revisito também problemas graves e antigos.

E ao que chego?

O investimento reprodutivo teima em não aparecer visível. O crescimento da economia permanece incerto e é manifestamente insuficiente. A pobreza de dois milhões de pessoas está instalada e tende a agravar-se. A criação de emprego líquido não tem expressão. Milhares de jovens e de adultos na força da vida não têm trabalho, nem esperança de o vir a conseguir. A subremuneração está para ficar. A emigração torna-se inexorável e muita dela definitiva.

O decréscimo da natalidade tem sabor a fatalidade. O distanciamento das pessoas da política, dos políticos e dos partidos políticos e o crescimento da abstenção em actos eleitorais permanece sem antídoto. Três anos depois e tudo na mesma!

Três anos depois do resgate, da troika, da mais dura e cega austeridade pública que a maioria dos portugueses suportou, não compreendo o que vejo nem o que oiço sobre o presente e o futuro do país. Não tenho também esperança mínima sobre melhor e mais risonho futuro para as suas gentes.

Nas noites quentes que se avizinham os líderes políticos irão subir a palcos fluorescentes para nos falar dos nossos amanhãs. Nas universidades de verão dos partidos a abrir brevemente figuras públicas mediáticas e de indiscutível bagagem ensinarão tudo o que sabem a jovens candidatos a políticos.

Vou estar atento. Pode ser que então tudo me surja mais claro e que uma luz de esperança real se acenda na minha mente.

Detesto não ser optimista!

Carlos Moreno, Juiz conselheiro jubilado do Tribunal de Contas | ionline | 23-07-2014

Comentários (4)


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O estoiro colossal
Eu sempre disse que íamos a caminho de um estoiro colossal. Talvez seja boa ideia pedir à UE permissão para medidas proteccionistas.

De caminho, se eu fosse ditador (em democracia nunca teria votos suficientes que me elegessem), proibiria ao máximo o self-service que se vê em praticamente todas as estações de abastecimento de combustíveis e cada vez mais nos hipermercados (que como se sabe estão muito descapitalizados, coitadinhos). Há por aí muitos keynesianos, mas nenhum se lembra que, além da monetária e da estritamente financeira, a de pleno emprego foi outra das políticas sobre que Keynes escreveu. É uma coisa que esquece muito a quem nunca a soube.

O imposto sobre veículos automóveis é ainda muito baixo para um povo que berra contra a Sra. Merkel mas que dá o (isso em que estão a pensar) e mais três tostões para ter um Mercedes, um BMW, ou um Audi. Ou um Porsche, se o banco esticar o crédito para isso. Porque o tuga pode comer sopa a partir de um concentrado em pó, mas os bancos do bólide têm de ser de pele de vacum.

Apesar da dívida privada, os festivais de Verão foram e estão a ser um sucesso. Afinal, até o Ministro da Economia vende cerveja, de forma que mais embriagados pela levedura de cevada nem mesmo na Oktoberfest. É um povo de empreendedores, Portugal!

Só um grande terramoto nos desmotivará.
Gabriel Órfão Gonçalves , 23 Julho 2014 - 23:35:24 hr.
...
Concordo com Gabriel. E desafio o ministério da Economia (ou entidade credível) a fazer estudo sério sobre o n.º de empregos que se criariam imediatamente em Portugal com o fim do "self-service" nas bombas de gasolina e hipermercados; a consequente diminuição da taxa de desemprego e o valor que o Estado pouparia, designadamente no que tange ao pagamento de subsídios de desemprego e outros ... Mas eles não querem !...
man , 24 Julho 2014 - 11:14:59 hr.
Socorro!
Portugal precisa:
Uma nova República – um Estado de Direito.
Juristas competentes e capazes.
Uma nova opinião pública esclarecida e ajuizadora.
Porque:
- A República Portuguesa é um estado de arbítrio, uma tirania e um império de ladrões. É uma fábrica de mendigos.
- Os partidos políticos são bandos de delinquentes contumazes.
- O Parlamento é uma incubadora de quadrilhas. Não há soberania única e o povo vive sob o jugo delas, que actuam em alternância, fora e acima da lei. A classe média é roubada.
- A justiça e o estado estão capturados. O Supremo Tribunal de Justiça não é supremo. É uma fraude. Um tribunal intermédio.
Os juristas
- Os juristas portugueses têm mentes gelatinosas e pensamentos tortuosos. Não sabem o que é o direito nem, tão pouco, pensar direito e utilizam um discurso acéfalo e ornamentado.
- Relativizam e entortam os direitos, colocando-os em conflito e confronto sob o jugo do arbítrio interpretativo para violar os direitos dos mais fracos. Atribuem aos direitos as características do arbítrio. Depois arbitram os confrontos sem critério justo.
- Proclama-se o direito de sacrificar o direito. O poder rouba e proclama esses actos como sendo de direito.
A opinião pública
- Os formadores da opinião pública: políticos, juristas, economistas, jornalistas, etc. são aleijados mentais, totalmente acéfalos e ignorantes, acólitos de poderes arbitrários criminosos. Só intriga partidária e proclamações estéreis e vazias.
- São incapazes de aprofundar uma ideia, ajuizar à luz do direito para aferir sobre o exercício da soberania, deixando o povo à mercê de tiranos delinquentes no exercício do poder. São gurus da verborreia oca.
- Conversa da Treta!!! Ocos e pomposos!!!
Para a democracia não bastam eleições livres.
É necessário um estado de direito e uma opinião pública consciente e forte, que seja ajuizadora do exercício do poder.
O estado de direito garante a igualdade da lei para todos porque impõe a submissão à lei e ao direito àqueles que exercem o poder do Soberano.
A opinião pública vigilante e forte garante que os políticos mandatários do povo exerçam a soberania deste, submetidos ao direito (art.º 2.º da CRP) porque esclarece o Soberano.
Só um Soberano esclarecido será justo e exigente. Jamais aceitará que poderes e grupos intermédios se apoderem da sua soberania, apropriando-se do seu estado para tiranizar e escravizar os seus súbditos mais desprotegidos.
A estrutura jurídico-constitucional portuguesa é de um estado de arbítrio, onde impera o exercício da vontade dos detentores
do poder político sobre a lei e o direito.
O poder político não é justo. É exercido de forma delinquente, sacrificando e violando os direitos de uns a interesses de outros. A classe média é perseguida e roubada.
O poder judicial não é soberano e os tribunais judiciais não são portadores da soberania do povo que a não tem. Os magistrados judiciais são acossados e perseguidos pelos mandatários do poder político. Refugiam-se e protegem-se em seguradoras privadas com medo de indemnizações a políticos que estão colocados acima da lei.
Só um estado de direito salvará Portugal do caos social!
É urgente uma Nova República! Um Estado de Direito!
Fora a tirania! É urgente a democracia!

Picaroto , 25 Julho 2014 - 01:28:29 hr.
...
Concordo Picaroto.
Ai Ai , 26 Julho 2014 - 23:44:58 hr.

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