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REVISTA DE 2014

Os advogados e o dever do silêncio

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Arménia Coimbra - Noticiou-se recentemente que até à data nenhum advogado cumpriu a directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais.

Não sei se algum advogado inscrito na Ordem dos Advogados de Portugal se confrontou alguma vez com uma situação concreta desta natureza- a suspeita ou o conhecimento de factos que indiciem a prática do crime de branqueamento, no âmbito da consulta jurídica, no exercício da sua missão de defesa ou representação do cliente num processo judicial. O que sei é que o advogado só tem o dever de comunicação de tal suspeita ao seu bastonário e não tem o dever de denúncia a quaisquer outras instâncias policiais ou judiciais; só ao bastonário compete, em cada caso concreto e nos termos estatutários, decidir se se quebra ou não o sagrado dever de sigilo profissional. Há que esclarecer a opinião pública e também os advogados inscritos na Ordem dos Advogados, de que não compete aos advogados, em cada caso concreto, aquilatar e decidir se devem ou não denunciar os casos de suspeita de branqueamento de capitais que venham ao seu conhecimento no âmbito da sua profissão. Essa competência de denúncia é exclusiva do seu bastonário, tal como o é em todos os casos de quebra ou dispensa de sigilo profissional. A Lei n.° 11/2004, de 27 de Março, ao transpor a directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção de utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, respeitou o dever de sigilo dos profissionais dos advogados. E assim é porque assim tem de ser. As normas do Estatuto da Ordem dos Advogados que dispõem sobre segredo profissional são normas de interesse público; a Ordem dos Advogados é um órgão da administração mediata do Estado; a Ordem dos Advogados, através do seu bastonário, ao decidir ou não decidir pela quebra do sigilo, exerce uma função de interesse público, sendo o seu parecer vinculante erga omnes, inclusive para todas as instâncias judiciais.

Assim, quer nas situações concretas de suspeita de branqueamento quer em todas as restantes situações concretas de conflitos de deveres ou interesses, ao advogado o que se exige é o silêncio; o advogado deve silenciar-se sobre factos que estejam a coberto do segredo profissional; o advogado tem o direito a recusar-se a revelá-los perante quaisquer autoridades. Não há, pois, em qualquer circunstância, conflitos de deveres em que o advogado tenha de analisar e/ou decidir qual deles deve prevalecer.

Reconhecemos que o ataque ao novo crime do século XXI acorrupção, a lavagem de dinheiro e a fraude e a evasão fiscais – é a condição de sucesso de desenvolvimento, prosperidade e sobrevivência do regime democrático, devendo por isso constituir uma prioridade. Mas é às instâncias policiais e judiciais que compete dar-lhes prioridade através de mecanismos e de procedimentos com respeito integral pelos princípios estruturantes do Estado de direito democrático. Por assim ser, em outras situações similares, na prevenção do crime, o VIII Congresso das Nações Unidas estabeleceu no ponto 22 dos princípios básicos relativos à profissão de advogados que os "Governos devem reconhecer e respeitar a confidencialidade de todas as comunicações e consultas feitas entre os advogados e os seus clientes no âmbito das suas relações profissionais"

Arménia Coimbra, Advogada e ex-vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados | Diário de Notícias | 23-07-2014

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