Fernando Madrinha - O Tribunal Constitucional não se limitou a indeferir o pedido do Governo para aclarar o acórdão que chumbou os cortes nos vencimentos dos funcionários públicos: explicou, de forma clara, porque nada tinha a aclarar. O que talvez não se esperasse era a unanimidade dos juizes, ela própria bastante aclaradora — um 13-0 bem mais expressivo do que o resultado do jogo com a Alemanha —, assim como a crueldade da resposta: "Não cabe ao Tribunal Constitucional esclarecer outros órgãos de soberania sobre os termos em que estes devem exercer as suas competências no plano administrativo ou legislativo."
Dir-se-á que é cómoda a posição do tribunal, ao dispensar-se de indicar ao Governo como deve aplicar o acórdão. Mas, se o não fizesse, logo o acusariam de se meter onde não é chamado, violando o princípio da separação de poderes. Aos juizes pede-se que apreciem as dúvidas constitucionais que lhes são colocadas; ao Executivo, leis que se enquadrem na Constituição, naturalmente sujeitas ao crivo do tribunal incumbido de as fiscalizar. Pode não ser um caminho fácil para quem tem de governar, com a Constituição que existe e no colete de forças financeiro em que este Executivo o faz. Mas é o único caminho, se se quiser manter, ao menos, a aparência de um regular funcionamento das instituições, tendo em conta que o tribunal já tomou decisões favoráveis à maioria não menos controversas do que aquelas que lhe dificultam a vida, incluindo a aceitação de inconstitucionalidades "temporárias".
O desastrado braço de ferro com o TC apenas prejudica o Governo, quando não o ridiculariza, como aconteceu desta vez. A pressa com que o ministro Poiares Maduro veio atribuir aos juizes a responsabilidade pela injustiça que seria aplicar cortes aos subsídios de uns e não aos de outros, consoante a data em que os receberam, ou receberão, denuncia o propósito de descarregar sobre o TC o ónus dessa injustiça.
Ora, a resposta ao pedido de aclaração nada acrescentava ao acórdão que inibisse o Governo de fazer os acertos necessários com quem já tenha recebido subsídios, no todo ou em parte. Bastava-lhe usar as suas "competências no plano administrativo ou legislativo", como os juizes recomendavam. Maduro perdeu uma excelente oportunidade para estar calado e o Governo acabou por fazer, tarde e a más horas, o que devia ter feito de imediato: acatar a decisão do tribunal.
Mal se percebe, assim — a não ser por burrice ou masoquismo — qual a vantagem desta guerrilha com o TC. Sobretudo quando a mesma maioria que pede a aclaração do acórdão corre a votar favoravelmente a reposição dos salários dos deputados e dos funcionários parlamentares antes de haver resposta do tribunal. Um exercício de incoerência e oportunismo ao mais alto nível do Estado, que devia fazer corar quem o pratica.
Sendo o Governo tão atento e venerador perante o que dizem os alemães, faria bem em aprender com o que disse esta semana em Albufeira o ministro Scháuble: "Ensinaram-me a não comentar as decisões dos tribunais constitucionais, porque também temos um na Alemanha". Aqui está UM BOM CONSELHO. Se Passos e Portas o seguirem, prestarão um bom serviço às instituições, começando pelo "seu" Governo e pelo Parlamento onde têm a maioria.
Fernando Madrinha | Expresso | 21-06-2014
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