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REVISTA DE 2014

Bloquear, bater contra uma parede, chegar a um beco sem saída...

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José Pacheco Pereira - Bloquear, bater contra uma parede, chegar a um beco sem saída, empancar, cair num pântano, enterrar-se em areia movediça, etc., etc. Qual destas palavras é que não se percebe? É assim que está a vida política portuguesa. E não apenas a vida política, também a vida económica e a vida financeira. Pode haver arranques, mas são débeis.

Pode haver recuos, mas só confirmam o que já se sabia. Mesmo as estatísticas de que o Governo (e a troika e o FMI e Bruxelas) gosta estão lânguidas e voláteis. Sobem e descem. Exportações, importações, por exemplo. As estatísticas de que o Governo não gosta, essas continuam a dar os mesmos péssimos sinais. O aumento drásticos dos portugueses em privação severa, por exemplo. Das primeiras, se sobem uma décima, há festa. As segundas nunca são citadas, mesmo que subam ou desçam muito. É como se não existissem, sobre elas cai um manto de silêncio.

Quanto aos juros, estão magníficos, seja para Portugal, seja para a malcomportada Grécia. Só uma coisa se move e é no plano social. A passagem do tempo gera um único dinamismo: empobrecer.

A linguagem do poder, tão eivada de propaganda e marketing, construída pela força do poder e do dinheiro, por batalhões de assessores de imprensa, agências de comunicação e repetidores habituais nos media, é errática e confusa. Uma vez quer-se dar a entender que o relógio do Doomsday parou na sede do CDS, outras vezes o génio do tempo que está dentro do relógio vem cá fora dizer: "Pode haver outro resgate", "os objectivos não vão ser cumpridos", e um dedo gigante tipo Zepelim aponta para o Tribunal Constitucional. Os repetidores que anunciaram a boa nova do "milagre" na semana passada - "há boas notícias para os portugueses" -, na semana seguinte tem que vir queixar-se da incompetente máquina de "comunicação governamental", que os fez dizer uma coisa na semana passada para vir esta semana com "dramatizações" que a contestam.

O Governo de há muito tempo que está em estado de letargia, seja porque não se entende, seja porque quando se reúne nada está preparado, seja porque está à espera de uma decisão da troika, seja porque tem dois primeiros-ministros que se "consultam" in extremis, mas pouco se falam, seja porque muitos ministros já há muito tempo que deixaram de acreditar que "isto" dê bom resultado, seja porque, com excepção de cortes, agora chamados "poupanças", nada está na agenda governativa. O ministro Poiares, que tem a propaganda como pelouro que herdou de Relvas, tem a chave do tesouro de guerra, os fundos comunitários, mas burocracia a mais, bocas a mais, promessas a mais, também parece empancado, a regra geral da governação. Mas, verdade seja dita, onde há dinheiro há sempre muito menos bloqueios e uma multidão diligente preparada para gastá-lo. Lembram-se da Tecnoforma e dos cursos para técnicos de aeroportos?

Só uma coisa move tudo: garantir que há cortes na função pública, nas reformas e pensões. Tivesse o Governo o mesmo tipo de tenacidade que mostra nos cortes para renegociar as PPP ou os contratos swap, que se teriam poupado muitos milhões, ainda por cima abusivos. Para cortar, ou seja, "poupar", há uma determinação sem paralelo com qualquer outro acto de governação, mesmo legislandose contra a Constituição de forma reiterada, uma, duas, três vezes e agora anuncia-se uma quarta, os "cortes Sócrates" que eram para ser temporários e agora voltam mais uma vez como "temporários" redivididos até à reposição plena em 2019, ou seja, um Governo depois. No Porto, havia várias coisas temporárias: a Estação da Trindade, o Túnel da Ribeira. Ainda lá estão, muitas décadas depois, alive and kicking.

Por detrás disto tudo está a pior das situações: aconteça o que acontecer, diga-se o que se disser, ninguém liga nenhuma. O que diz Passos é diferente do que diz Portas.

O que diz Portas não é o mesmo que diz Passos. O que diz Pires de Lima não é o que diz Maria Luís, nem Passos. Cavaco Silva dá no 10 de Junho uma bofetada a Aguiar Branco e as pessoas, de tão ocupadas com os incidentes do dia, nem dão por ela. A inconcebível entrevista de Teresa Leal Coelho, cuja substância se resume na queixa de que "tivemos nós tanto cuidado em escolher juízes partidarizados pró-PSD da linha Passos, e eles chegam lá e são desleais a quem os nomeou", gerou só um pequeno burburinho parlamentar. Para a próxima vez, como disse Passos Coelho, vamos ter muito mais cuidado, ou seja, escolher só membros do actual Grupo parlamentar do PSD.

O PS está, como se sabe, castrado durante três meses. Seguro pensa ficar feito de pedra e cal com uma série de truques e dilações, e com uns estatutos preparados para bloquear qualquer contestação à sua figura. Há congresso extraordinário, mas não pode demiti-lo. Há "directas", que ninguém sabe como vão ser, e escolhem apenas o "candidato a primeiro-ministro" e ele só se demite se quiser. Durante três meses, as notícias do PS serão sobre a sua luta interna que tenderá a ser cada vez mais feia, queiram ou não Seguro ou Costa. E quando houver qualquer matéria nacional para comentar, os jornalistas vão ouvir Seguro e Costa e prestar mais atenção a Costa, como é da natureza dos media.

Como é que não há bloqueio se numa sondagem a sério, as eleições, apenas 27% votaram nos dois partidos do Governo – nos dois, sublinhe-se – e em sondagens mais precárias, mas todas coincidentes, mais de 60% dos portugueses querem Costa à frente do PS e pouco mais de 18% querem Seguro?

Com este estado de opinião e voto, como é que a maioria dos portugueses se pode sentir representada pelos partidos que se reivindicam do "arco da governação"?

Como é que se desembrulha uma situação como esta? Não há milagres, até porque o material tem sempre razão e o material é mau e não vai deixar de ser mau mesmo depois das eleições. E eleições são a única coisa que pode fazer entrar algum ar fresco no quarto miasmático em que estamos enfiados.

Se a vida fosse a ideal, o PS resolveria rapidamente a sua querela interna, em vez de andar nesta necrose quotidiana para salvar Seguro e garantir meia dúzia de lugares de deputados aos seus fiéis, com elevadíssimos custos para o PS e para Portugal, e, quem fosse o líder, estaria em condições para exigir eleições antecipadas com uma voz forte. Se a vida fosse a ideal, o Presidente compreenderia que nunca vai conseguir um acordo "consensual" na actual situação de bloqueio, mas apenas perante um Governo com legitimidade reforçada de origem eleitoral, seja do PSD-CDS, seja do PS. Se a vida fosse a ideal, as eleições dariam a quem as ganhasse uma maioria absoluta ou quase, para então existir força política para haver entendimentos, ou para os recusar, se eles fossem abusivos. Se a vida fosse a ideal, o PSD mudaria de liderança, mas, mais importante que tudo, deixaria para trás esta continuada traição ao seu programa, à sua génese, ao seu papel histórico e aos seus manes caseiros como Sá Carneiro.

Se a vida fosse a ideal, ou o PS (mais provável) ou o PSD manteriam um esforço de consolidação orçamental, com maior equilíbrio social nos seus custos, mas anunciariam, a partir dessa autoridade de não aceitarem défices altos, que o chamado Tratado Orçamental não pode continuar como está. E anunciariam que uma reestruturação da dívida é inevitável e trabalhariam para isso, com moderação e tenacidade. E se a vida fosse a ideal, Portugal passaria a ter outra voz na Europa, procurando aliados e novas configurações, em função de um único objectivo, o interesse nacional.

É para que a vida, mesmo não sendo a ideal, possa pelo menos ser mais sensata, equilibrada e melhor do que é hoje, que é preciso correr o risco de antecipar as eleições, num tempo bem escolhido, razoável e o mais depressa possível, ou seja, é preciso fazer alguma coisa para desbloquear este enorme pântano em que vivemos. Tem riscos? Tem todos os riscos. Mas ficar assim é pior.

José Pacheco Pereira | Público | 14-06-2014

Comentários (8)


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E mais nada
Pacheco Pereira é dos poucos políticos que se esforça... Que consegue pensar além das barreiras das "inevitabilidades"... E procura respostas na política (nas opções), ainda que por caminhos difíceis.
Disciplinou-se na esquerda revolucionária... E isso é (foi) uma grande escola. Tão importante como isso: nunca vendeu a alma ao Diabo (como fez Barroso, p. ex.).
Lucas , 14 Junho 2014 - 21:29:41 hr.
...
Afinal, Pacheco Pereira é da esquerda ou do PSD?
Pires, o sadino , 16 Junho 2014 - 09:07:51 hr.
...
leiam o Eça, de há mais de 100 anos, e vejam como não mudámos nada!!!!!!!
estamos cozidos , 16 Junho 2014 - 11:56:25 hr.
Ao Sadino Pires
Desde quando ser honesto e coerente é ser da esquerda?
E olhe que no PSD ainda sobram alguns (poucos) honestos!
Parece que o meu caro está apenas para aí a dizer que a direita É burra e incoerente!
Por outro lado, PSD significa Partido Social Democrata!
Já ouviu falar de Social Democracia? Tem por exemplo o SPD Alemão!
Desde quando a Social democracia foi uma ideologia de direita?
Se um grupo qualquer de pulhas neoliberais toma de assalto um qualquer partido, não merece respeito!
Por outro lado quem é verdadeiramente de direita quer um Estado forte e interveniente na sociedade!
Nunca o neoliberalismo será um ideologia de direita!
O neoliberalismo é professado e estimulado pelos grandes grupos económicos de interesses globalizados, que o promovem junto dos pobres diabos de mentes simplórias e invejosas que não desdenham ser escravizados ou ver os outros reduzidos á escravidão e tratar-lhes do pelo quais capo de campo de concentração!

Como Sadino tem os seus conhecimentos politico-ideológicos muito abaixo da linha de flutuação!
Kill Bill , 16 Junho 2014 - 13:42:41 hr.
...
Kill Bill, em boa posição para marcar, não perdoou.
O quê?! , 17 Junho 2014 - 16:37:10 hr.
As trevas...
É de facto tenebroso confundir-se a direita com o capitalismo libertário ou o chamado anarco-capitalismo ou ainda libertarianismo.
Libertos de quê?
Do Estado obviamente!
Uma característica ideológica comum á direita e á esquerda é a existência de um Estado forte e activo.
Vivemos um período de anarquia e desregulação que deixa os cidadãos á mercê das edps, das galps e de tudo quanto é PPP chegando-se ao cúmulo de transformar o estado em cobrador dessas empresas privadas!
Assistimos á mais completa subserviência do estado tuga, determinada por estes corruptos que sem dúvida terão o seu futuro já assegurado junto das empresas que tão fielmente servem!
E os papalvos chamam a estes tipos, de direita! (!!!)
Baron Hubert Von Trak , 17 Junho 2014 - 19:06:08 hr.
...
Portugal só sairá do charco em que se meteu pela via do Sócrates quando tiver um governo de direita durante uma boa dúzia de anos seguidos
Alcides , 21 Junho 2014 - 01:05:10 hr.
direitas?
Os quase 50 anos de direita permitiram-nos ser o país mais atrasado da Europa ocidental!
90% de analfabetos num vergonhoso país de andrajosos e desdentados proletários e camponeses!
NÃO OBRIGADO!
Vá ver a Europa Alcides !
Os 50 anos de atraso ainda se mantêm!
Kill Bill , 21 Junho 2014 - 13:08:19 hr.

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